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sexta-feira, 19 abril, 2024

 EUA e a história dos ‘superdelegados’ Como o Partido Democrata tornou-se Partido Nada Democrático

 in Naked Capitalism, Yves Smith
Aqui, fala Yves. Adiante, ofereço a vocês esse segmento de Democracy Now!que conta como o sistema de superdelegados surgiu como reação contra o risco de perigosos “outsiders” como McGovern e Carter conseguirem a indicação como candidatos do Partido Democrata. Observe-se que Carter nunca foi ‘contestador’, especialmente pelos padrões daquele momento. Começou desregulando indústrias, apesar de reconhecidamente não haver qualquer prova de que a ação trouxesse qualquer benefício (discussão mais aprofundada em meu livro  ECONNED).
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No início da campanha eleitoral de 2016, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton começou as primárias com diferença de mais de 400 delegados a seu favor, ao garantir o apoio dos superdelegados – os 712 congressistas, senadores, governadores e outros representantes eleitos que muito frequentemente representam a elite do Partido Democrata.

Agora, novo artigo publicado em In These Times, de Branko Marcetic, revela a “A História Secreta dos Superdelegados” [orig. The Secret History of Superdelegates], criados pela Comissão Hunt em 1982. Conosco estão Jessica Stites, diretora-executiva de In These Times e editora da matéria de capa da edição de junho; e Rick Perlstein, repórter com base em Chicago e autor de vários livros, dentre os quais “Nixonlândia: Crescimento de um presidente e fratura dos EUA” [orig.Nixonland: The Rise of a President and the Fracturing of America].

AMY GOODMAN: Esse é [o programa] Democracy Now!,democracynow.orgThe War and Peace Report. Sou Amy Goodman. Estamos na estrada, em Chicago, transmitindo [dos estúdios] da WYCC PBS Chicago. Foram, sem dúvida, dias cheios de surpresas para o Partido Democrata, desde a convenção democrata contestada no estado de Nevada no sábado, até o virtual empate na 3ª-feira à noite, nas primárias do Kentucky – nos dois estados, Kentucky e Oregon. A ex-secretária de Estado Hillary Clinton declarou vitória contra o democrata seu concorrente Bernie Sanders na primária, na 3ª-feira no Kentucky, apesar da diferença mínima, e Sanders obteve vitória por larga diferença no Oregon. Ontem à noite, Sanders discursou para cerca de 12 mil apoiadores em Carson, Califórnia, e falou diretamente à liderança do Partido Democrata.
SEN. BERNIE SANDERS: Em praticamente todos os casos, onde haja pesquisa nacional ou estadual, nós nos saímos muito melhor contra Trump, do que a secretária Clinton. Agora – acho que foi ontem – saiu a pesquisa do estado da Geórgia, que não é estado muito bom para nós: ali, Trump está derrotando a secretária Clinton por 4 pontos; nós o derrotamos por cinco pontos. [Plateia: Bernie! Bernie! Bernie! Bernie! Bernie! Bernie! Bernie! Bernie!]

SEN. BERNIE SANDERS: Se o Partido Democrata quer garantir que Donald Trump seja derrotado – e, sim, é o que temos de fazer – nós, a nossa campanha, somos quem pode conseguir isso.
AMY GOODMAN: A relação entre a campanha de Sanders e a liderança do Partido Democrata foi de desafio, desde o início da disputa nas primárias, quando a ex-secretária de Estado Hillary aparecia à frente, com diferença de mais de 400 delegados a seu favor, ao garantir o apoio dos superdelegados – os 712 congressistas, senadores, governadores e outros representantes eleitos que muito frequentemente representam a elite do Partido Democrata. Bem… novo artigo publicado em In These Times por Branko Marcetic revela a história secreta dos superdelegados, que foram criados pela Comissão Hunt, em 1982. (…) Comecemos com você, Jessica. Explique o que são os superdelegados, que hoje são questão realmente crítica. Como surgiram.

JESSICA STITES: Sim. Nosso repórter, Branko Marcetic, realmente meteu-se nos National Archives e saiu de lá com as transcrições de todas as discussões naquela comissão, que debateu durante meses sobre reformas nas regras do Partido Democrata, até que concluiu pela necessidade de se criarem os superdelegados para resolver os problemas. Basicamente, a crise que originou tudo isso foram as derrotas de Carter [perdeu a disputa pela reeleição em 1980; Reagan foi eleito (NTs)] e McGovern [perdeu as eleições em 1972; Nixon foi eleito (NTs)], e o temor de que o Partido Democrata não estivesse selecionando candidatos ‘ganhadores’. Então, esses ‘chefes’ do partido sentaram e perguntaram-se “O que fazemos?” O instinto lhes dizia que “temos de assumir o controle. Temos de controlar todo o processo da indicação de nomes como candidatos do Partido. Nosso problema é que, se deixamos os eleitores resolverem ‘mesmo’ nas primárias, eles acabam sempre por escolher a pessoa errada.” E instituíram os superdelegados, que podem agir, essencialmente, como um ‘corretivo’ ao voto popular e, na convenção, podem votar em quem prefiram. O que realmente se pode ver, a psicologia que se vê em muitas das transcrições, é o medo de que o candidato ativista, ou algum ‘outsider‘ consiga ‘invadir’ o partido, que não trabalhe com os Democratas como eles desejam que trabalhe, depois de eleito. É a ideia geral de que as elites sempre sabem mais e melhor, tipo “temos um tipo especial de sabedoria política”.

AMY GOODMAN: Repetindo: tudo isso foi feito como reação a quê?

JESSICA STITES: É. Como reação a McGovern e Carter. Quer dizer: é interessante, mas, em resumo, não viam Carter como Democrata ‘insider‘. Viam-no como espécie de sulista outsider, que estava demitindo correligionários dos círculos locais sulistas [dos ‘grandes’ Democratas] e não trabalhava com [os ‘grandes Democratas] como eles queriam – enquanto governou. Tinham medo de coisa semelhante. E também tinham medo de algum democrata da esquerda, ativista de algum movimento de base. Eram dois medos, portanto. E também reagiam, em grande parte, contra a ampliação do sistema de primárias, que, depois de algumas reformas feitas em 1968, ficou muito mais centralizado.

AMY GOODMAN: Quero voltar a uma frase de Geraldine Ferraro, congressista de New York, primeira-mulher candidata a vice-presidente, e que participou dos trabalhos da Comissão Hunt. Numa das reuniões da comissão, em novembro de 1981: (cito) “Ninguém conhece aquela gente melhor que um membro do Congresso. Ninguém é melhor como representante, que um membro eleito do Congresso, e ninguém é mais capaz de fazê-los apoiar um candidato, se realmente trabalharem para isso.” Explique, Jessica, por favor.

JESSICA STITES: É. É o tipo de lógica torturada que se viu frequentemente na Comissão. Diziam muitas vezes que o povo que vota nas primárias não pode representar as bases tão bem quanto os congressistas, porque, afinal, os congressistas foram eleitos… É como se esse nível de representação estivesse ajudando os movimentos de base a representarem… as bases. Em vez de deixar que as pessoas votem, elas mesmas. É muito estranho e…

AMY GOODMAN: Curioso, porque os congressistas foram eleitos por aquele mesmo povo… não por superdelegados.

JESSICA STITES: Ótimo ponto. Para ser justa, temos de considerar que o comparecimento para votar era baixíssimo, e hoje ainda é mais baixo nas eleições parlamentares, que nas eleições presidenciais. Acho que raciocinavam que “Talvez nós tenhamos recebido mais votos que eles, numa ou noutra primária.”

AMY GOODMAN: Tenho aqui uma frase de Cleta Deatherage, também membro feminino da Comissão Hunt. Ela manifestou preocupação com a divisão que poderia ser criada pelo sistema de superdelegados. (Cito) “Você levanta a questão de, potencialmente, criarem-se diferentes castas de delegados, delegados escolhidos por decisão dos cidadãos eleitores nas primárias ou caucuses, e uma outra casta de delegados que, de fato, não passaram pelo menos processo e carregam seus próprios padrões (…) O que nos leva à questão de como esses dois processos se relacionam, e toca numa questão essencial de legitimidade.”

JESSICA STITES: É, ela adivinhou o que viria, porque essa é exatamente a crítica que se faz aos superdelegados hoje. Hoje já são muito impopulares, e já há movimento que se organiza, dizendo “Por que o Partido Democrata tem esse tipo de voto decisivo, em vez de ouvir a vontade do povo?”

AMY GOODMAN: Falemos dos superdelegados, em relação, agora, a Bernie Sanders e Hillary Clinton.

JESSICA STITES: O que é interessante – e vemos isso sobretudo depois dos resultados da manhã de hoje – é que nenhum dos dois candidatos está próximo de vitória decisiva baseado só nos votos de primárias e caucuses. Assim sendo, precisarão conseguir votos de 2.383 delegados brotados desse processo, só para alcançar a indicação do partido! Significa também que os superdelegados farão a diferença na convenção. Eles, no final das contas, é que jogarão um dos candidatos na lata do lixo. E o que estamos assistindo, pelo lado de Sanders é essa fascinante espécie de ‘virada’. De início, ele foi fortemente contra os superdelegados, porque os superdelegados permitiram que Hillary entrasse na campanha praticamente já como vencedora – e isso, em minha opinião, é a principal crítica que se deve fazer aos superdelegados, porque eles dão uma espécie de vantagem injusta a um dos candidatos, dando a impressão de ‘já-ganhou’, antes mesmo de a campanha começar.

Mas agora, Sanders está dizendo “Ok, há também aquele grupo que tem a função de garantir que o Partido Democrata tem candidato com chances de vencer. Existem para garantir isso.” Muito parecido com o que se viu nas transcrições… se acontece alguma coisa no meio do caminho, e o candidato que está na frente nas primárias e caucusesperde chances de vencer – um escândalo, por exemplo –, o partido “quer ter meios para corrigir a indicação”. O que Sanders está dizendo é “Ora, já aconteceu um inesperado no meio do caminho: Donald Trump é o indicado do Partido Republicano. Os Democratas precisam reagir, e as pesquisas já mostram que eu levo vantagem sobre Hillary Clinton, contra Donald Trump em alguns estados chaves.” Acho que ele falava, da Geórgia, me parece, naquele clip, mas … está acontecendo em Ohio, que é estado obviamente muito importante. Daí o que ele diz sobre os superdelegados é “Bem, já que vocês mantêm esse sistema absurdo, e podem atropelar o voto popular, agora é a hora ideal para usá-lo!”

AMY GOODMAN: E o movimento para reformar o sistema dos superdelegados? Você vê mudanças?

JESSICA STITES: Essa é a grande questão nesse momento. Por isso Sanders não está falando muito, porque está tentando seduzir os superdelegados. Mas não acho que a questão esteja completamente posta de lado. Já houve pelo menos uma repercussão da nossa matéria de capa, com coluna de Larry Cohen, que é ex-presidente do [sindicato] Trabalhadores em Comunicação dos EUA, mas também é o principal conselheiro da campanha de Sanders. E Cohen está pedindo muito fortemente que a Convenção dos Democratas ponha fim ao, ou reforme o sistema de superdelegados. E acho que, sim, sem dúvida há uma facção, dentro da campanha de Sanders que quer exatamente isso.

AMY GOODMAN: E você, Rick Perlstein, que diferenças e semelhanças há entre o sistema dos Democratas e dos Republicanos?

RICK PERLSTEIN: São semelhantes. Quando os Democratas modificaram o sistema deles, entre 1968 e 1972, ficou mais ou menos claro que a história está andando nessa direção: mais democracia, menos salas enfumaçadas. E, nos dois partidos, um sistema que era mais caucuses e convenções e algumas primárias foi transformado em muitas primárias e alguns caucuses e convenções.

AMY GOODMAN: O que aconteceu em Nevada? Jessica Stites, você pode comentar as cenas que vimos? Quero dizer, há uma barreira de policiais em frente à tribuna?

JESSICA STITES: Há.

AMY GOODMAN: Rick, gostariam de comentar?

JESSICA STITES: Sim.

RICK PERLSTEIN: É. Todos vimos o vídeo. A convenção foi muito contestada. Pessoal da Clinton diz que o pessoal de Sanders conhecia antecipadamente as regras; depois, reclamaram que as regras os prejudicavam. O pessoal de Sanders diz, basicamente “temos umestablishment que está fazendo o diabo para reafirmar o próprio poder”. Quando olho para trás, historicamente, vejo as tentativas para aprofundar as divisões como talvez uma estratégia de Donald Trump e Republicanos.

Trump tem um aliado, Roger Stone, que participou de Watergate. Toda a estratégia de Watergate ao longo de todo o ano de 1972 foi ativar divisões já existentes, reais, mas para exacerbá-las. Coisas como alguém tipo Roger Stone roubar papel timbrado de um dos candidatos Democratas e escrever uma carta acusando outro candidato Democrata de fraude, e, em seguida, ‘vazar’ a carta para a mídia comercial. A ideia aí seria que, se os Democratas não se unem novamente na eleição geral, não podem vencer. Ora, essas divisões são reais, e o perigo é real, mas explorar as divisões, pra tirar vantagem delas é muito parecido com o que o FBI fez no Programa de Contra Inteligência [ing. COINTELPRO]. Tomam divisões reais e operam para aprofundá-las, de modo a tornar impossível que o grupo se reconstrua. Por isso, temos, sim, de ter muito cuidado nessa discussão.

AMY GOODMAN: Roger Stone é fonte de várias matérias da National Enquirer contra…

RICK PERLSTEIN: Exatamente. Exatamente. Meu próximo artigo tratará de como…

AMY GOODMAN: … contra Ted Cruz.

RICK PERLSTEIN: É. Donald Trump segue uma velha tradição reacionária na área da política de fofocas, da qual National Enquirer faz parte. Tenho um documento, no qual Michael Deaver, antigo auxiliar de Ronald Reagan, tenta empurrar Ronald Reagan como colunista deNational Enquirer em 1975. Há aí uma continuidade.

AMY GOODMAN: Voltando à Comissão Hunt. Suas observações finais, Jessica Stites, sobre os documentos que você e seus repórteres vasculharam. Quem foi Hunt, que deu nome àquela comissão?

JESSICA STITES: Oh, Hunt, foi governador… Não foi, Rick? Você está fazendo cara de historiador.

RICK PERLSTEIN: Não, não. Acho que foi governador da Carolina do Sul, talvez.

JESSICA STITES: Acho que sim.

RICK PERLSTEIN: Seja como for, era do sul, certo?

JESSICA STITES: Era sulista, sim. E presidia a comissão. Você sabe, acho que superdelegados não são a única coisa errada no nosso processo eleitoral. E uma das maiores coisas, sobre mais ou menos abrir a porta e começar a questionar os superdelegados, que são coisa fácil de reformar se o Partido Democrata resolver reformar, é: e o que mais está errado? Por que tão poucos norte-americanos votam nas eleições gerais nos EUA?

AMY GOODMAN: Aqui, estamos falando de 80% – não, mais de 80% das pessoas não votam nas primárias e caucuses.

JESSICA STITES: É. E esse é problema real. Pode-se fazer muitas coisas para corrigir isso. Por exemplo, Rob Richie de FairVote tem proposta que me parece ótima, de haver uma primária nacional num só dia: uma pessoa, um voto. E assim se decide o candidato Democrata. Há coisas que se pode fazer, e é processo interno do partido, quero dizer, não é preciso mudar a Constituição.*****

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