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sexta-feira, 19 abril, 2024

O professor no pós-golpe

O PROFESSOR NO PÓS-GOLPE

“Hay golpes en la vida, tan fuertes… ¡Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios”
  (César Vallejo)
O golpe não foi bem a troca de Dilma por Temer no processo comandado por um réu no Supremo Tribunal Federal (STF). O golpe não está só nesse ministério sem mulheres e sem negros – ainda bem que não tem mulher nem negro nessa quadrilha! O golpe não é a nomeação de sete ministros envolvidos na Lava-Jato, que assim adquirem direito a foro especial, contando com o silêncio cúmplice da mídia, a omissão envergonhada dos paneleiros e a data venia do Judiciário que faz bocorum sirizorum. O golpe não é sequer a ameaça concreta de retrocesso nas políticas sociais.

Então, onde está o tutano do golpe?

O golpe reside, sobretudo, no fato de que o espaço de protesto contra tudo isso fica cada vez mais reduzido, pois a troca de guarda, da forma como foi feita, estimulou uma escalada contra a democracia duramente conquistada, visível, entre outros, nos projetos agora fortalecidos que amordaçam o professor em sala de aula e que anteriormente já tramitavam na Câmara de Deputados e em outras instâncias legislativas.

Todos esses projetos – segundo matéria da Folha de SP assinada por Daniele Belmiro e João Pitombo – proíbem na escola o que consideram como “doutrinação ideológica” em temas políticos, religiosos e sexuais, o que inviabiliza aulas de filosofia, de história, de sociologia. Um deles, de autoria do deputado temerário Ricardo Nezinho (PMDB, vixe, vixe) de Alagoas, acaba de ser transformado em lei promulgada na segunda-feira (9), depois de aprovada pela Assembleia Legislativa, por unanimidade, que é sempre burra, como bem aponta Nelson Rodrigues.

A direita Brucutu

O professor, que já é erodido e mal pago, com salários indecentes e condições precárias de trabalho, agora sofre a censura. Se desobedecer a lei, será punido de acordo com o tamanho do “crime”, podendo até mesmo ser demitido do serviço público, uma das penas estabelecidas. Nezinho, que é veterinário em Arapiraca (AL) e que entende de Educação tanto quanto Temer de Física Quântica, quer colocar uma canga no professor, como se faz com um boi.

Por enquanto, Alagoas é o primeiro estado a dar o “golpe dentro da lei”, mas projetos similares tramitam nas assembleias legislativas de oito estados – SP, RJ, RS, PR, ES, GO, CE e Distrito Federal. A ascensão do inquilino do Jaburu e da direita brucutu contribui para que mais outros estados e municípios sigam esse exemplo, da mesma forma que o Congresso Nacional.

As Câmaras de Vereadores de 17 municípios, entre os quais várias capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Teresina, Palmas, Curitiba e Campo Grande, copiaram os projetos para serem adotados como lei municipal, com modificações aqui e ali. Campo Grande (MS), por exemplo, aprovou  uma espécie de “delação premiada”, criando um canal para denúncias anônimas feitas por alunos ou por seus pais, se acharem que o professor não apresentou “de forma justa as principais versões ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas”. O projeto não define o que entende por “forma justa”.

Todo esse movimento está sendo orquestrado pela organização “Escola Sem Partido” formada por “estudantes e pais preocupados com a contaminação político-ideológica das escolas”. Segundo a FSP, “a entidade afirma que a educação moral, sexual e política cabe à família. E argumenta que o professor não é um educador, devendo limitar-se a passar conteúdos das disciplinas de forma isenta”, seja lá que diabos signifique “forma isenta”. Essa forma coronelista de ver o aluno, nem no Estado Islâmico! Os ossos de Paulo Freire estão se revirando no túmulo.

Na Câmara de Deputados, em Brasília, já circulam quatro anteprojetos a serem votados pelos mesmos parlamentares que derrubaram Dilma invocando a tradição, a família, a propriedade e até Deus. Os quatros são farinha do mesmo paneiro. Um deles prevê a distribuição de cartazes em todas as escolas do país, com mensagens advertindo que “o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará os alunos a participar de manifestações”. Arariboia, Zumbi, Tiradentes, Olga Benário e tantos outros lutadores sociais podem cair na malha fina.

– Parece que nossos políticos querem os alunos alienados em relação aos problemas da sociedade – declarou o diretor do Sindicato dos Professores de Alagoas, Marcelo Silveira Porto. Ele anunciou que vai questionar a lei, já em vigor, em uma ação direta de inconstitucionalidade no STF, que será votada por – quem? quem? quem? – entre outros por ministros justos, imparciais e isentos como Gilmar Mendes e Dias Toffoli e, se duvidar, com assessoria especializada do professor Raimundinho Nonato, de Maranguape.

Coice na democracia

Para intimidar os que protestarem, a repressão é acionada como na ditadura militar. Na terça-feira (10), a professora de Direito da Universidade Federal de Minas (UFMG), Maria do Rosário Barbato, foi intimada pela Polícia Federal a prestar esclarecimentos sobre sua militância política e suas atividades na universidade e em sindicatos e partidos. Neste mesmo dia, a delegação de mulheres da Bahia à IV Conferência Nacional de Políticas para Mulheres foi detida pela Polícia Federal, chamada por dois deputados, que não gostaram das vaias recebidas pelas mulheres dentro do avião. Eles não gostam de mulher inteligente e combativa.

O cerco está crescendo. Na semana anterior, mulheres reunidas na Faculdade Paulista de Serviço Social para discutir o aborto, foram interrompidas pela Guarda Civil Metropolitana, cujos agentes ficharam as organizadores e as palestrantes.

– “É indignante esta criminalização do movimento das mulheres. Querem que a gente tenha medo e se sinta criminosa em falar sobre nosso próprio corpo e nossos direitos” – disse Samia Bonfim.

O golpe – um coice na democracia – é essa assustadora escalada contra a liberdade de expressão, que vem sacramentada pelo truculento ministro da Justiça do interino Temer, Alexandre Moraes (PSDB, vixe, vixe), ex-advogado de Cunha, que como secretário de segurança de Alckmin reprimiu manifestações em São Paulo, escondeu estatísticas sobre a crescente criminalidade e agora ameaça criminalizar a sala de aula.

Pierre Bourdieu adverte sobre o perigo de disseminar pelo conjunto do corpo social a mesma visão de sociedade, onde todas as pessoas usariam palavras similares e seriam animadas pelo mesmo pensamento. Ele cita criticamente o sociólogo George Davy dos anos 1950 para quem a função do professor é “ensinar às crianças a mesma língua, una, clara e imutável, para que elas vejam, sintam e percebam o mundo da mesma maneira, edificando assim a consciência comum da nação”.

O golpe é a tentativa de criar um pensamento único, abolindo as divergências na censura e na porrada. A pedagogia do conflito de ideias já era. A TV Globo parece que vai substituir a TV Escola. Os paneleiros, alguns com sentimento de que foram politicamente otários, sentirão saudades dos tempos em que podiam protestar. O golpe é não poder bater panela. O golpe é isso. O resto é silêncio. Só se ouve o quá-quá-quá do pato da FIESP.

P.S. – “Es como si la resaca de todo lo sufrido se empozara en el alma” – geme o poeta peruano Cesar Vallejo (1892-1938) em Los Heraldos Negros (1918)

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