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quinta-feira, 28 março, 2024

A finança global e o imposto Robin Hood

por Valentin Katasonov

Após o recuo da primeira onda da crise financeira global (2007-2009), alguns economistas começaram a ponderar como o seu retorno poderia ser impedido. Então surgiu a ideia de introduzir um ” imposto Robin Hood ” – um imposto sobre transacções interbancárias que arrefeceria o fervor especulativo dos banqueiros e evitaria a formação de bolhas nos mercados financeiros.

Remontando a 2010, uma petição colectiva com essa proposta foi enviada aos líderes do G20. Sugeria-se ali que a receitas deste imposto fossem utilizadas para combater a pobreza, tratar dos problemas da educação e cuidados de saúde e evitar a alteração climática [NR]. Mesmo uma taxa de imposto irrisória de 0,05% poderia arrecadar US$100 mil milhões em receitas anuais, o que excede de longe o montante da ajuda ocidental a países do terceiro mundo.

Originalmente esta carta conjunta foi assinada por 350 dos principais economistas do mundo. Mas no ano seguinte milhares de economistas de 53 países acrescentaram a sua assinatura à petição. Entre os signatários incluiam-se os prémio Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz, bem como Jeffrey Sachs, um influente conselheiro do secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, e professores de importantes universidades na Europa e nos Estados Unidos.

A ideia do imposto foi apoiada por muitas figuras públicas e políticas. Em particular, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o primeiro-ministro grego George Papandreu; e muitos bem conhecidos responsáveis na Alemanha e particularmente em França pronunciaram-se em favor do imposto. Também houve alguns oponentes, primariamente nos Estados Unidos.

O conceito do imposto Robin Hood não surgiu num vácuo. Na década de 1970 o economista americano James Tobin (1918-2002) argumentou em favor de um tal imposto, o qual acabou por receber o seu nome. Em escritos académicos isto é conhecido como o “imposto Tobin”. O economista americano sugeriu que a fim de atordoar os especuladores financeiros seria suficiente estabelecer uma taxa na amplitude dos 0,1% a 0,25% do valor de uma transacção em divisas (vendas).

Um imposto assim foi introduzido na Suécia na década de 1980. Em consequência, especuladores suecos retiraram-se do seu mercado financeiro interno e mudaram-se para o mercado vizinho na Grã-Bretanha. Depois de sete anos a Suécia livrou-se do imposto. Ficou claro que o imposto só poderia ter o efeito desejado se fosse introduzido simultaneamente em todos os países, ou pelo menos naqueles com mercados financeiros bem desenvolvidos. Enquanto isso, especuladores financeiros estavam a brincar com um jogo que se tornava ano a ano cada vez mais arriscado, e as taxas de imposto originalmente sugeridas por James Tobin já não eram mais suficientes. Era necessário um “imposto travão” mais poderoso.

A deterioração do quadro financeiro e económico na Europa (a crise da dívida devastando o continente, a crise financeira na Grécia, etc) forçou Bruxelas a procurar meios rápidos e eficazes para estabilizar a situação. O imposto Tobin foi recordado mais uma vez. Em 14/Fev/2013, a Comissão Europeia (CE) decidiu introduzir um Imposto sobre transacções financeiras (Financial Transaction Tax, FTT ). As taxas do FTT foram ajustadas em 0,1% para transacções em acções e obrigações e em 0,01% para transacções de derivativos.

A comuidade bancária americana respondeu com protestos a esta inovação, afirmando que se a FTT fosse imposta, os bancos e companhias financeiras dos EUA retirar-se-iam da UE. A Grã-Bretanha juntou-se ao ultimato estado-unidense. O primeiro-ministro britânico David Cameron declarou que o seu país vetaria um imposto pan-europeu sobre transacções financeiras, explicando que Londres estaria disposta a introduzir o FTT apenas se um tal imposto fosse arrecadado globalmente e não simplesmente na Europa. As perspectivas actuais para o estabelecimento de um FTT global parecem bastante incertas – qualquer país pode cobrar o imposto por si próprio, mas não tem o direito de impô-lo sobre outros.

No final das contas, a implementação da decisão da CE sobre o FTT foi adiada. Após os protestos de Cameron, Sarkozy declarou que a França unilateralmente introduziria o imposto. Finalmente a França e a Itália autorizaram a este imposto, num forma algo truncada e, em consequência, algumas das suas transacções financeiras transferiram-se para países vizinhos. Após a introdução do imposto, o volume de comércio no mercado italiano de acções caiu em 12% em 2013 em comparação com o ano anterior. Durante aquele período as vendas em todos os outros mercado de acções na Europa cresceram em 7%.

Exactamente dois anos depois da primeira decisão não aplicada da CE sobre o FTT, os ministros das Finanças de onze países (Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, Portugal, Eslováquia, Eslovénia, França e Estónia) discutiram e endossaram um plano actualizado para estabelecer o FTT. A mudança na posição francesa foi a mais importante. Até aqui a Áustria e a Alemanha instavam pela tributação do que é conhecido como derivativos financeiros, tais como os futures, ao passo que a França se opunha, explicando que os seus bancos controlavam pelo menos um quarto do mercado europeu de tais instrumentos, os quais são emitidos na base de acções. François Hollande agora declarou seu apoio à tributação do número máximo de ítens que estão envolvidos em transacções financeiras, incluindo derivativos comercializados, mas num nível mínimo. No ano passado Bruxelas anunciou que as partes haviam conseguido chegar a um acordo acerca de taxas e de ítens tributáveis e declarava a inauguração de um novo sistema fiscal a começar em 01/Jan/2016. Estimativas preliminares das receitas do imposto vão aos 57 mil milhões de euros por ano. E mais da metade disso virá de impostos sobre transacções envolvendo derivativos que estão ligados a taxas de juro.

Agora toda a gente está preocupada quanto a que cofres orçamentais deveriam receber o dinheiro do imposto. Tome-se, por exemplo, a compra e venda de acções. A receita fiscal poderia ir para o tesouro do país do comprador, do país do vendedor ou do país no qual o emissor das acções está registado. Mas também há uma outra opção: o FTT poderia passar para o orçamento geral da UE. Muitos políticos e economistas europeus consideram a assimetria da União Europeia muito confusa, embora tenha sido assim durante muitos anos. Isto é evidente no facto de que a UE tem um banco central mas nenhum Ministério das Finanças (tesouro).

Por esta razão, a declaração conjunta divulgada em 8/Fev pelos governadores dos bancos centrais da Alemanha e da França – Jens Weidmann e François Villeroy de Galhau – foi um acontecimento significativo. A declaração listava pedidos de reforma imediata e radical da UE. No cerne daquelas reformas jaz a insistência de que os estados membros da UE cedam ainda mais dos seus direitos e poderes para o nível europeu. Uma das sugestões era criar um Ministério das Finanças do conjunto europeu. Se um tal ministério fosse financiado, o FTT poderia tornar-se o primeiro imposto pan-europeu a encher um cofre comum da UE.

Mais de 40 anos se passaram desde que Tobin começou a expor a sua ideia de tributar transacções financeiras, mas muito pouco progresso tem sido feito quanto à sua implementação prática. É verdade que alguns países arrecadam impostos sobre transacções financeiras, mas isso funciona de um modo um pouco diferente. Há muitos exemplos de países que estabilizam suas economias e as taxas cambiais das suas divisas nacionais recorrendo a restrições sobre movimentos transfronteiriços de capital, tais como impostos sobre transacções financeiras transfronteiriças. Naturalmente, aquelas taxas de impostos são muito mais elevadas do que as que Tobin recomendou. O Brasil em particular introduziu um imposto sobre investimento estrangeiro em 2009, a uma taxa igual a 2% do capital envolvido. Mas isto não foi suficiente para travar a apreciação da divisa local (o real) e no ano seguinte aquela taxa foi elevada para 4%. Depois de a economia do Brasil ter estabilizado em 2013, o imposto foi revogado.

É difícil denominar os planos da Europa para introduzir o FTT como um “imposto Robin Hood”. Não há intenção de utilizar a receita do FTT na União Europeia para combater a pobreza. Hoje, um dos maiores problemas da Europa é como estabilizar seu sistema bancário melhorando a supervisão dos prestamistas que são considerados “demasiado grandes para falir” e reforçar seu capital. Aproximadamente 150 gigantes bancários, como o Deutsche Bank e a Société Générale, são vistos como “demasiado grandes para falirem”. Mas estes gigantes não podem aumentar seu capital insuficiente por si mesmos e estão à espera da ajuda de Bruxelas (a Comissão Europeia) e de Frankfurt (o Banco Central Europeu).

…Se os apoiantes de uma “Europa unida” conseguirem introduzir um imposto pan-europeu sobre transacções financeira e estabelecer um orçamento comum da UE, os impostos arrecadados serão retornados àqueles que os pagam, ou seja – para os bancos. Ninguém hoje na Europa ou em qualquer parte do mundo hesita em chamar banqueiros de “ladrões” (“robbers”), mas não ladrões nobres como era Robin Hood, apenas gatunos implacáveis e cobiçosos que não entendem o conceito de piedade.

16/Fevereiro/2016

[NR] As “alterações climáticas” são um falso problema, como resistir.info reiteradamente tem mostrado.

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/…

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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