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quinta-feira, 28 março, 2024

A história da resistência camponesa na Amazônia

A luta dos camponeses continua, agora pela forma de produzir, por novas formas de comercialização e manufatura e por políticas públicas

Najar Tubino/Carta Maior

Assentamento Padre Ezequiel, Mirante da Serra (RO) – A marca da luta pela terra ainda está na entrada da antiga fazenda Urupá. Uma guarita construída com tábuas de ipê e areia na parte interna, para segurar bala de fuzil. Os fazendeiros e seus jagunços, com o apoio do governo estadual, municipal e com a omissão do governo federal de Fernando Henrique Cardoso queriam encurralar os sem terra. Montaram cinco guaritas, três delas foram queimadas. Duas ficaram para contar a história da resistência. A ocupação da fazenda começou em 1997 e continuou por quatro anos, com quatro despejos sucessivos. Realizados pela PM com a violência de sempre.

Os jagunços chegavam em comboio. A prefeitura de Mirante colocou transporte à disposição deles, para levar armas e equipamentos. Foram muitos embates. Sete pistoleiros morreram. E muitos inocentes. Os fazendeiros contratavam gente na comunidade, ofereciam o dobro do valor pago por uma diária no campo. Os pistoleiros desfilavam na pequena cidade, que hoje tem pouco mais de 11 mil habitantes, como autoridade policial. Brigavam entre si, mataram muitos inocentes. Rubão era um deles. Dizia que tinha o corpo fechado e estava sempre na frente na hora do combate. Morreu com um tiro de espingarda 12 e foi encontrado no mato.

Onde viviam cinco famílias, agora são 200

Nagib era o açougueiro de Mirante, foi preso acusado de ser o “gato”, encarregado pela contratação dos pistoleiros que mataram o padre Ezequiel Ramin, no dia 24 de julho de 1985, em Cacoal. Quando roubavam uma vaca na fazenda e diziam que era do Nagib ninguém denunciava. Nagib está em alguma fazenda do Pará trabalhando como cozinheiro.  As histórias correm pelos assentamentos, enquanto a I Caravana Agroecológica de Rondônia se desloca de Ariquemes em direção a Mirante, a 90 km. A resistência da luta pela terra na Amazônia é uma mistura de tiroteios, despejos, sofrimento, morte e vitória. Onde viviam cinco famílias em seis mil hectares da fazenda Urupá, agora vivem 200 famílias com 800 pessoas. Contando outros dois assentamentos do MST na região – Margarida Alves e Palmares – são quase 800 famílias e quatro mil pessoas.
Foi uma época muito difícil. A marca do governo de FHC no campo ficou conhecida no mundo inteiro: o massacre de Corumbiara, quando a PM de Rondônia em conjunto com pistoleiros encapuçados invadiram o acampamento da fazenda Santa Elina, de quase 20 mil hectares, onde estavam 600 famílias. A invasão ocorreu à noite. O resultado da tragédia: onze mortos, incluindo uma criança. A data: 11 de julho de 1995.

Movimento na economia regional

No assentamento padre Ezequiel a PM ainda manteve uma barreira, onde era obrigatória a vistoria e identificação, durante dois anos. Até hoje, a Emater de Mirante da Serra não é capaz de fazer uma DAP – identificação da agricultura familiar no MDA – para os assentados. Quando a Caravana acampou no assentamento, no dia 16 de março, a festa corria solta. A comemoração dos quatro anos da Feira de Produtos Agroecológicos da Agricultura Camponesa – FEPAC – em Mirante da Serra. Faz parte da Rede de Agroecologia Terra sem Males, onde participam 20 organizações sociais desde 2012. Na FEPAC os assentados vendem: feijão, amendoim, milho pipoca, café, mel, ovos, verduras e legumes, frutas tropicais e polpas, açúcar mascavo e rapadura, palmito de pupunha, doces, geleias, biscoitos, pães e carnes de pequenos animais.

No município eles comercializam 35% do leite, 27% do cacau e 6% do café. Além disso, compram todos os insumos necessários na cidade. A agroecologia está presente desde o início dos anos 1990, quando o projeto Padre Ezequiel, da Diocese de Ji-Paraná começou a funcionar. O bispo dom Antônio Possamai incentivou a capacitação dos trabalhadores e trabalhadoras para produzirem sem uso de veneno. As comunidades eclesiais de base assumiram a tarefa. Implantaram a homeopatia como forma de resolver os casos de doenças. Muita gente morreu de malária nessa região, após o desmatamento generalizado. A Pastoral da Saúde de Mirante ainda continua trabalhando na divulgação de remédios caseiros e homeopáticos, inclusive para uso na agricultura e no tratamento de animais.

Os piratas da madeira estão se reorganizando

No assentamento metade da área ainda permanece como reserva, embora registrem invasões para retirar a madeira nobre do ipê, da castanheira, do jequetibá, entre outras espécies. Foram plantados desde o início 100 hectares de café, 100 hectares de cacau, duas lavouras incentivadas pelos governos federal e estadual nos projetos de colonização do INCRA da época da ditadura. Mas também existem os sistemas agroflorestais, onde as espécies nativas convivem com árvores frutíferas plantadas. Os SAFs permitem o uso da madeira nativa dentro do manejo florestal.

Na região central de Rondônia vivem perto de 30 mil famílias de agricultores e agricultoras familiares, que mudaram a história da terra e da organização camponesa. Na Amazônia, a história da terra pressupõe a destruição da floresta e dos povos antigos, desde indígenas, quilombolas como ribeirinhos, descendentes dos migrantes que vieram trabalhar na seringa desde a década de 1940 – chamados de soldados da borracha. Os caminhões de madeira da floresta voltaram a circular na BR-364. Os piratas da madeira estão se reorganizando. Buscam novas áreas, na maior parte reservas naturais, como em Machadinho do Oeste ou territórios extrativistas ou indígenas.

Histórias documentadas

Miram o sul do Amazonas, no asfaltamento da estrada que liga Humaitá até Manaus, que ainda é um território intacto. Novos conflitos ocorrerão. A luta dos camponeses continua, agora pela forma de produzir, por novas formas de comercialização e manufatura e por políticas públicas que deixem os gabinetes e que não sejam boicotadas por agentes municipais. A opressão que ameaça o país inteiro nestes dias sombrios serviu de inspiração a milhares de famílias, que ocupam os territórios camponeses na Amazônia. Uma história que as caravanas agroecológicas organizadas pela Articulação Nacional de Agroecologia, em conjunto com entidades locais, tem documentado e serão divulgadas em breve.

Créditos da foto: reprodução

 

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