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quinta-feira, 28 março, 2024

A mobilização dos coletes amarelos não amortece

 

por Rémy Herrera

Um primeiro ponto, estatístico, para começar: a única fonte de contagem do número total de participantes nas mobilizações dos “coletes amarelos” é o Ministério do Interior francês. Isto é em si mesmo extremamente problemático, em primeiro lugar porque a própria natureza deste movimento torna impossível um cálculo exacto; além disso porque o Estado cada vez mais frequentemente recorre, para efectuar estas contagens, a sociedades privadas especializadas – cuja independência deve ser interrogado. Finalmente, porque o interesse evidente das autoridades é minimizar este número, tal como o faz em toda manifestação organizada pelos sindicatos – os quais costumam fornecer uma estimativa geral alternativa.

Um exemplo: para o “Acto VII” de 29 de Dezembro de 2018, o Ministério do Interior anunciava que 12 mil coletes amarelos estavam mobilizados no conjunto do território. Ora, a simples soma dos dados oficiais relativos às acções de coletes amarelos efectuadas em apenas nove cidades (no caso, Bordéus com 2500 participantes; Toulouse com 2400; Marselha 2000; Metz 2000; Lyon 1000, Rouen 1000; Brest 750; Caen 700 e Sens 300 – dados fornecidos pelas prefeituras, mas amplamente subestimados – ultrapassa os 12 mil! E quanto às outras 35 991 comunas francesas, a da capital inclusive? Não havia ninguém nas rotundas neste dia? Absurdo! No entanto, esta “estimativa” dos 12 mil coletes amarelos foi repetida em série em todos os media dominantes, sem pô-la em causa e sem nuances. Isto é tanto mais ridículo quado uma das palavras de ordem dos coletes amarelos é doravante ir protestar… sem colete! Para melhor se fundirem na multidão e evitar assim serem interpelados pelas forças da ordem…

Transmitidas por seus porta-vozes mediáticos, as autoridades tinham objectivos bem claros, imediatamente antes da apresentação de votos aos franceses do presidente Emmanuel Macron, em 31 de Dezembro: “provar” 1) que a mobilização dos coletes amarelos abrandava; 2) que aquelas e aqueles que optavam por prosseguir a luta eram “elementos radicais”, “extremistas” isolados do resto do movimento, adepto da violência para arruinar os “pobres comerciantes” em período de festas de fim de ano, ou mesmo, pior ainda, para “atacar a República”, “atentar contra a democracia” e “derrubar o poder”; e 3) que a fuga em frente do governo na escalada da repressão é justificada. 

Quando se encontrava entre cerca de cinquenta coletes amarelos a prestar homenagem às vítimas da violência policial, Éric Drouet, uma das figuras mais conhecidas do movimento, foi novamente interpelado e detido em 2 de Janeiro. Penas de prisão foram requeridas (e algumas já pronunciadas) contra várias centenas de coletes amarelos. Um havia gritado na cara de um deputado da maioria “à guilhotina!”; outros haviam decapitado um boneco com a efígie do presidente Macron… Do lado da imprensa escrita, o grande prémio cabe sem dúvida a este jornalista que num devaneio lírico afirma que apoiar os coletes amarelos é declarar-se partidário “dos goulags soviéticos, dos campos de concentração cubano e do genocídio dos khmers vermelhos”. Desculpemo-lo: o pânico que devasta actualmente as fileiras da burguesia faz com que digam não importa o que. E sugerimos aos seus chefes que lhe ofereçam uma semana de férias sob os trópicos para que descanse um pouco e verifique por si mesmo se há (ou não) campos de concentração em Cuba.

O Acto VIII de sábado 5 de Janeiro demonstrou que a mobilização dos coletes amarelos não enfraqueceu. E que uma maioria clara de franceses (sempre mais de 55 ou 60%, segundo sondagens recentes) continua a demonstrar simpatia e dar apoio ao movimento em curso. Segundo as informações da polícia, 50 mil coletes amarelos (claramente mais, conforme é verosímil) ainda estavam na rua, no frio do Inverno, bloqueando os eixos de circulação ou a manifestar-se nas ruas das grandes cidades do país (assim como das menores), para exigir mais democracia política, justiça social. Por toda a França, até em pequenas aldeias por vezes, efectuavam-se inúmeras reuniões populares de coletes amarelos, pacíficas, joviais, com bom humor, entre amigos, ou vindas em família, todas e todos motivados e determinados a lutar mais e mais. Corajosamente. Dignamente. Fraternalmente. E saudados pelas buzinas de automobilistas solidários.

E em alguns lugares, inevitáveis cenas de exasperação, tensões, caos – as únicas imagens difundidas incansavelmente pelas cadeias de televisão, para tentar inquietar, dividir, dissuadir, desencorajar (em vão!) –: barricadas de rua, brazeiros na noite, afrontamentos por vezes muito violentos com as forças da ordem em várias cidades de província, sob uma chuva de granadas de lacrimogéneas e golpes de cassetete, ou em Paris, aqui e ali, até junto à avenida dos Campos Elíseos, sob os cordões vermelhos cintilantes das decorações de Natal. Bem no meio, turistas vindos festejar o novo ano à la française. Assim, bom e feliz 2019 para todas e todos!

As novidades deste 5 de Janeiro? Um percurso pré-determinado de manifestação declarado “dentro das regras” junto às autoridades da polícia por organizadores dos coletes amarelos na capital, indo da praça do Hôtel de Ville à Assembleia Nacional. Várias tentativas de intrusão de coletes amarelos no recinto de edifícios oficias (prefeituras…), dentre as quais a mais espectacular foi aquela de um pequeno grupo de pessoas irrompendo com ajuda de um empilhador a entrada do Ministério das Relações com o Parlamento, destruindo por este meio algumas viaturas de função e provocando a evacuação precipitada do porta-voz do governo, Benjamin Griveaux – antigo membro do Partido Socialista (e braço direito de Dominique Strauss-Kahn) – e de seus colaboradores.

Ainda mais impressionante, as imagens de um manifestante fazendo recuar a golpes de punho uma fileira de polícias com capacetes e munidos de couraças sobre uma ponte de Paris; e a de Toulon, com um oficial superior da polícia a bater repetidamente no rosto de um indivíduo que acabava de ser interpelado. O primeiro, um antigo campeão de box francês ganho à causa dos coletes amarelos, depois de foragido durante dois dias foi constrangido a apresentar-se (aqueles que desejariam financiar o apoio à sua família que tomem cuidado: uma secretária de Estado ameaça persegui-los em tribunal!). O segundo, justifica suas acções declarando que estava em vias de neutralizar um “delinquente perigoso” e “líderes”… e que não temia nenhuma eventual apresentação de queixa contra ele pois é… comandante da polícia! E condecorado com a Legião de Honra desde 1º de Janeiro

Para além destes acontecimentos, que nada têm de triviais, convém avaliar a crise política na qual o país hoje está mergulhado. E compreender bem a gravidade da situação: o presidente Macron, que ainda há pouco tempo dizia amar “o contacto dos franceses”, não efectuou mais a menor saída pública desde… 4 de Dezembro último! Naquela data ele havia efectuado uma visita ao Puy-en-Velay depois de manifestantes terem incendiado a prefeitura de Haute-Loire (região Auvergne-Rhône Alpes). Uma visita de onde voltou, diz-se, traumatizado: um comité de acolhida de protestatários em cólera o havia apupado furiosamente, insultado com diversos nomes de pássaros e havia perseguido o veículo presidencial através da cidade…

Um mês e cinco dias depois, o gabinete da presidência da República Francesa informava que todas as “cerimónias de votos” em que Emmanuel Macon devia inicialmente participar iam ser anuladas – com excepção daquela prevista diante das forças armadas. O motivo alegado? O presidente desejaria “concentrar-se” na redacção de uma “Carta” aos seus concidadãos e na “abertura do Grande Debate”…

Pois cogita-se da “abertura de um Grande Debate”! Um “Grande Debate” que deve se esforçar por responder às “expectativas profundas dos franceses”… mas não tratar senão dos temas seleccionados pelo governo! A fim de coordenar esta farsa de democracia, Emmanuel Macron havia nomeado a actual presidente da “Comissão nacional do debate público”, Chantal Jouanno – ex-colaboradora e ministra de Nicolas Sarkozy. Bastaram alguns dias – e a revelação da confortável remuneração a receber pela senhora Jouanno (mais de 176 mil euros brutos por ano, pagos com fundos públicos) – para levar esta última a que renunciasse conduzir o dito “Grande Debate” (mas, tranquilizem-se, não de ser remunerada!).

Frente à “multidão odiosa”, como o presidente Macron agora qualifica os coletes amarelos, este – entrincheirado por trás dos muros espessos do Palácio do Eliseu – preveniu: pretende ir “mais longe e mais forte”, ser “ainda mais radical”, ou seja, retomar as “reformas”. Leia-se aqui: “adoptar novas medidas de destruição dos serviços públicos (aceleração do desmantelamento do sector da energia, dentre outras), recuo da protecção social (a começar pelo endurecimento das condições de obtenção do subsídio de desemprego e das pensões de reforma), colocação em causa do estatuto dos funcionários, etc.

E o primeiro-ministro, Édouard Philippe, vai mais além: participar de uma manifestação não declarada não seria mais objecto de uma contravenção (punível com uma simples multa), mas a partir de agora seria considerado um delito (podendo resultar em condenações à prisão). Portanto o ano de 2019 em França promete ser particularmente “delitiv

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