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quinta-feira, 28 março, 2024

A ressurreição dos Orishas

 Os rappers latinos prestam tributo à tradição para formular os novos sons urbanos
por Jotabê Medeiros — CartaCapital
Maior fenômeno da música de Cuba desde os anos 1950, o grupo de rap conta como o dinheiro ditou sua dissolução, e também seu reencontro.

O son, as guajiras, os chá-chá-chás, as salsas, a cúmbia, os boleros e as rumbas, que haviam sido engolidos ao longo dos anos por uma visão pasteurizada, hollywoodiana da música latina, reergueram-se a partir dos anos 2000 por meio da arte fresca e original de grupos como Calle 13, de Porto Rico, Ana Tijoux, do Chile, ChocQuibTown, da Colômbia, e, certamente, os Orishas, um notável combo de rap cubano que ganhou o mundo desde o álbum de estreia, em 1999.

Reconhecidos como a banda de rap mais importante da história da música urbana de Cuba, os Orishas venderam mais de 1,5 milhão de cópias de cinco álbuns. O primeiro, A Lo Cubano, tinha na canção-tema a base de uma música do cubano Compay Segundo, Chan ChaUma das composições, Pa’l Norte, ganhou a indústria norte-americana e faturou um Grammy. Mas aí aconteceu o inesperado: há sete anos, o grupo separou-se bruscamente. Globalizados e com endereços em Barcelona, Roma e Miami, os três integrantes (Yotuel, Roldán e Ruzzo) passaram a cuidar das carreiras-solo.

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Produtor, ator, MC e cérebro do conceito, o rapper Yotuel Romero virou darling de certa cena de produção musical norte-americana, menino de ouro da Sony.

“Cada um queria seguir seu caminho próprio, ter sua liberdade de decidir. No meu caso, fui convidado a produzir e escrever para muitos artistas grandes, como Ricky Martin, Diego Torres, Rubén Blades, Thalia, Jennifer Lopez.

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A rapper chilena Ana Tijoux

Achei um grande espaço nessa faceta de produtor e compositor, ganhando muito dinheiro com temas como La Mordidita, de Ricky Martin, e Choka Choka, que Chayane canta agora”, conta Yotuel.

Não satisfeito, Yotuel Romero tornou-se astro de um filme controverso: El Acompañante, de Pavel Giroud, em 2016. O filme trata da forma como Cuba lidou com a disseminação da Aids nos anos 1990, isolando os pacientes em manicômios.

O rapper cortou suas famosas tranças para interpretar um boxeador caladão que perde o fio da carreira e encontra emprego como enfermeiro de um rapaz com Aids num desses manicômios.

“Graças a essa cobertura de dinheiro e a esse aprendizado, senti-me em condições de criar meu próprio selo discográfico, a Chancleta Records. Queria gravar mais artistas novos, de que realmente gostasse. Fui a Cuba à procura desses novos nomes.

Mas, estando em Cuba, me dei conta de que o que eu queria mesmo era Orishas. Liguei para meus antigos companheiros e disse: ‘Tenho uma proposta discográfica para começar de novo’”, diz Yotuel.

É assim que, em 2018, será lançado o novíssimo trabalho dos Orishas, agora reagrupados após sete anos de separação. Gravado em Madri, o álbum ainda não tem título, mas todas as 12 canções já estão escolhidas, como Old Havana, que traz o piano de Chucho Valdés e a voz de Beatriz Luengo. Orishas, como o nome diz, vem da “santería” (umbanda), dos orixás, divindades afro-cubanas de origem iorubá, etnia nigeriana.

Os porto-riquenhos da Calle 13

Esse componente, forte na percussão da banda, junta-se a uma mistura que inova com scratches de eletrônica, guitarra de rock e elementos da música de expoentes americanoscomo Public Enemy, Beastie Boys e D’Angelo.

“O novo disco terá a mescla que sempre fazemos, entre música urbana e música cubana tradicional”, diz o rapper. “Desde A Lo Cubano, nós respiramos a música da rua e a misturamos com a música tradicional. Mas a música que escutávamos em 2000 é completamente diferente da que se ouve hoje.

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Daddy Yankee e Luis Fonsi, do hit Despacito

A linguagem mudou, há muito o que reciclar e inventar”, considera, dizendo que uma das características de toda a música pop atual é incorporar a música urbana. “Nossa incumbência é ouvir e arrancar dessa música do gueto real o que nos agrada para misturá-la.”

Os fenômenos do tipo Despacito (megassucesso contemporâneo composto pelos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee e pela panamenha Erika Ender) têm sua força, mas aos Orishas interessa mais promover um encontro da história com a modernidade.

Quando morreu Compay Segundo, aos 95 anos, Yotuel declarou, sobre os novos caminhos da música de Cuba: “Não havia sentido em Compay Segundo cantar rap, mas também não havia sentido em nós, da nova geração, cantarmos rap ignorando Compay Segundo e a tradição da música cubana”.

Segundo Yotuel, essa fase dos Orishas coincide com a conquista de mais liberdade artística, controle da produção e, consequentemente, preocupação zero com o que tocará no rádio e total concentração nos experimentos.As fases de distensão e abertura política em Cuba não influenciam muito.

ChocQuibTown, da Colômbia

“A base Orishas é muito livre. Nunca foi condicionada nem por companhias de discos. A liberdade existe para a gente e vai existir sempre. Não estamos com a obrigação de ter êxito, de compor canções que sejam número 1. Estamos muito mais livres e tranquilos.”

Curiosamente, para os Orishas, o Brasil cumpre um papel fundamental nesta nova aventura. “A relação do Brasil com os Orishas é maravilhosa. Incrível, porque era sempre difícil para um artista de fala espanhola, uma incógnita. Agora ficou mais fácil, mas naquele momento, quando começamos, era difícil fazer funcionar. Ainda assim, tivemos aceitação total aí, o público desfrutou. Nossa carreira foi outra depois que passamos pelo Brasil.

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