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quinta-feira, 28 março, 2024

Argentina: A judicialização da política

Buenos Aires (Prensa Latina) A Argentina vive um “reality show” judicial que condiciona a representatividade política e ameaça reinstalar na sociedade o “fora todos”.
O midiático promotor Guillermo Marijuán comunicou que descobriram a trama de contas off shore que o clã Báez tinha na Suíça, que já tinha sido caso encerrado.
O aspecto melodramático da informação foi devido ao destaque nas manchetes de que os titulares das contas eram os quatro filhos do empresário, proprietário de companhias construtoras, e dos detalhes da manobra de evasão.
A notícia se dava paralelamente ao encontro que Lázaro Báez manteve com os magistrados da Câmara Federal, a quem ia fornecer dados – disse – que serviriam para comprovar que o juiz Sebastián Casanello tinha se reunido com a ex-presidenta Cristina Fernández em uma tentativa de afastá-la da causa.
Mas a pobre declaração, sem mais provas que suas palavras, fez que o deslocamento da prisão bonaerense em Ezeiza aos tribunais na região portenha de Comodoro Py resultasse uma perda de tempo.
Também houve elementos novos na causa que investiga o episódio bizarro de corrupção do ex-secretário de Obras Públicas José López. No monastério de clausura, onde tinha pensado esconder os milhões de dólares, as forças de segurança descobriram três abóbadas embaixo dos assentos da capela.
Ainda que as freiras tenham explicado que esses buracos encontrados eram suas próprias tumbas, o impacto gerado pela imprensa, somado ao delírio místico do qual López parece sofrer, fazem do caso um fato magnético para o público. O governo nacional, agradecido.
Mas a festa de expedientes e a avalanche de causas judiciais contra servidores públicos do anterior governo não termina aí.
A juíza María Servini processou três ex-chefes de Gabinete da gestão anterior pelas irregularidades publicitárias do programa Futebol para Todos. Eles são: Aníbal Fernández, Juan Manuel Abal Medina e Jorge Capitanich.
Nesta causa, também foram processados o presidente da Federação Argentina de Futebol, Luis Segura, e outros importantes diretores dessa entidade esportiva como Rafael Savino, Carlos Portell, José Lemme, Miguel Ángel Silva, Eduardo Spinosa e Rubén Raposo.
Alentado por este panorama, o Congresso da Nação apressou seus passos e deu tratamento a algumas iniciativas que se inscreveram na lógica perversa de judicializar a política porque, ao que tudo indica, é o que hoje vai se impondo na sociedade.
Nesse sentido, a Câmara de Deputados deu meia sanção ao projeto de extinção de domínio, que pretende recuperar para o Estado os bens obtidos por terceiros – físicos ou jurídicos – de maneira ilícita.
Mas o que o oficialismo intencionalmente não explicou é que a expropiação pode ocorrer ainda sem sentença penal final.
A Câmara baixa também aprovou a ampliação da figura do arrependido para os delitos de corrupção e a resolução que autoriza a justiça a invadir a casa e os escritórios do ex-ministro de Planejamento e atual deputado, Julio De Vido.
Um precedente que ameaça a segurança jurídica de todos os legisladores, deixando implícito o uso da figura do “arrependido” para fins políticos, que poderia ser manipulada através do perdão concedido em um processado em troca de que acuse alguém mais, seja verdade ou não. Mas esta agenda legislativa, pensada com o termômetro social em uma mão e as oferendas midiáticas na outra, teve um desfecho dourado para o oficialismo: a nova ruptura do bloco opositor da Frente para a Victoria (FpV); neste caso, com a saída dos deputados do grupo social “Movimento Evita”.
Um episódio que não faz mais que evidenciar as divisões e brigas internas que existem no outrora partido de governo. A judicialização da política alimenta a indignação do povo, que é testemunha da retração de suas capacidades econômicas.
A frase “a gente não come causas judiciais” parece um axioma que o presidente Mauricio Macri pretende refutar. Não há política de recomposição dirigida aos setores vulneráveis, só a utilização midiática dos casos de corrupção e a alavancagem do ódio contra aqueles que governaram a Argentina antes.
Uma pesquisa da consultora Analogías reflete que 48% da população considera que o Governo usa as causas judiciais para ganhar tempo, já 50% desaprova a atual gestão administrativa de Cambiemos.
Neste âmbito de não-política que quer ser instalado, quem ganham são aqueles que historicamente chutaram a estrutura da democracia e das instituições.
São os que pensam que, com as armas e a perseguição ideológica, pode ser instaurada “ordem” na sociedade. São os demônios de um passado que se canibalizam com a ideia de voltar.
*Jornalista argentino que colabora com a Prensa Latina.

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