20.4 C
Brasília
quinta-feira, 28 março, 2024

Bolívia: o golpismo do século XXI e seus crimes contra a humanidade

Havana, (Prensa Latina) Depois do golpe de estado, a repressão avança a passos de gigante na Bolívia.

A ditadura persegue os ‘narcotraficantes’, ‘vândalos’ e ‘terroristas’, que é como chamam os movimentos sociais, antigos membros do governo, camponeses e indígenas que se manifestam contra os golpes e são assassinados pelo exército (35 mortos e mais de 800 feridos).

O governo de fato criminaliza às missões internacionais de observação de direitos humanos, à defensoria do povo e inclusive aos jornalistas, chamando-os de ‘guerreiros digitais’ ou ‘terroristas informáticos’.

Desse modo pretende enterrar a verdade baixo uma montanha de falsas acusações.

ULTIMATUM À DEMOCRACIA, DESFILE DO NEOFASCISMO

Desde as eleições de 20 de outubro, Bolívia atravessa uma crise política que dista muito de ter terminado.

No marco de um processo eleitoral que recebeu especial atenção por parte dos meios de comunicação internacionais, o vice-presidente do Tribunal Eleitoral renunciou por escuras razões, o que lançou uma sombra de suspeita sobre a vitória de Evo Morales por 47,08 por cento dos votos emitidos.

Uma diferença de 10 por cento (648.180 votos) sobre o ex presidente de direita e candidato Carlos Mesa foi suficiente para ganhar as eleições no primeiro turno.

 

De fato, Mesa não esperou os resultados para denunciar o que para ele era uma fraude anunciada: tinha-o estado predizendo durante meses. Profecia auto cumprida ou fugida para adiante?

Em agosto, as acusações de malversação de fundos que datam de quando era vice-presidente de Bolívia em 2002 tinham sido prejudiciais para sua imagem.

Enquanto, o multimilionário Fernando Camacho, cujo nome aparece nos ‘Papéis panamenhos’ e que tinha perdido uma lucrativa participação no mercado em seus contratos de distribuição de gás quando Evo Morales chegou o governo em 2006 e decidiu nacionalizar o petróleo para renegociar os contratos, anunciou um prazo de 48 horas para que o presidente renunciasse.

Foi naquele contexto quando a violência da oposição se desatou com uma fúria desconhecida: arderam os tribunais eleitorais departamentais e sedes do Movimento ao Socialismo (MAS).

Representantes desse partido oficialista, como a prefeita de Vinto em Cochabamba, Patricia Arce, o ex vice-ministro de interculturalidades, Feliciano Vegamonte, foram linchados e agredidos.

Mas também ocorreu igual com os diretores de meios como Bolívia TV e da Rádio da Confederação Sindical de Trabalhadores Camponeses (CSUTCB),José Aramayo, sendo este último amarrado a uma árvore, o que deu lugar a uma cena própria da Inquisição medieval.

O presidente da câmara dos deputados, Víctor Borda, demitiu depois de denunciar o incêndio de sua casa e o sequestro e agressão em seu domicílio de seu irmão, o advogado Marco Antonio Borda, por membros do ‘Comitê Cívico de Potosí’.

Dias depois seu irmão divulgou um vídeo dirigido aos organismos internacionais, enquanto encontrava-se em recuperação em uma cama de hospital.

Nele denunciava que ‘aparentemente tinham ordens de atentar contra minha vida para pedir a renúncia de meu irmão (…) Se o Presidente não tivesse renunciado, minha vida teria estado em perigo’.

O ministro de mineração, César Navarro, também renunciou ao cargo depois do incêndio de seu domicílio em Potosí e a tentativa de enforcarem seu sobrinho.

Um mesmo roteiro repetiu-se meticulosamente aplicado por delinquentes atuando sob a cobertura de supostos ‘comitês cívicos’, financiados por Fernando Camacho.

Tudo encaixa: o mesmo Camacho ameaçou sem escrúpulos quem resistissem ao golpe, dizendo que tinha preparada uma lista negra de ‘traidores’ a la Pablo Escobar.

INTERLÚDIO TOCADO COM MAESTRIA PELA OEA, PARTITURA ESCRITA POR WASHINGTON

Com vistas às eleições do dia 19 de outubro, Bolívia tinha implementado todas as recomendações da Organização de Estados Americanos (OEA) com respeito à melhora do processo eleitoral.

Tinham-se dado várias reuniões entre o governo de Evo Morales e o secretário Almagro.

Era necessário assegurar a ‘transparência’ e a ‘credibilidade’ tão desejadas, em frente às suspeitas habituais dirigidas para os governos conceituados ‘populistas’.

 

O sistema de contagem rápida chamada TREP fazia parte desse mecanismo tranquilizador… Mas esse suposto colete salva-vidas resultou ser um bumerangue.

A engrenagem da manipulação midiática trabalhou azeitada, ao tentar apagar a contagem tradicional em um país onde o voto rural e indígena foi historicamente favorável ao MAS.

O ex vice-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), Antonio Costas, que demitiu de seu cargo, não o fez por questionar o funcionamento do contagem rápido TREP, ao que considerava positivo já que ‘gera muita confiança e desalenta a fraude’.

No entanto, achou que ‘o processo pôde ser interrompido por um hacker’ de uma empresa concorrente da auditoria’.

Após verificados por Costas e o TSE, os dados do TREP eram iguais após ocorrido a paralisação detectada como um hacker, apesar de que em um primeiro informe mostrava um avanço muito forte do MAS , com ao redor de 10 por cento.

Segundo Costas, ‘a data não foi modificada’:’Os engenheiros da OEA estiveram todo o momento com o TSE no momento da transmissão do TREP, tomando fotografias do avanço muito seguidas e o TSE tinha um avanço até às 22 horas de quase 94 por cento, mas tínhamos suspendido a informação a 83 por cento.

Era do conhecimento da OEA o desenvolvimento da 83 a 94 por cento em um período razoável com 380 operadores transmitindo a informação.

Também não teve violência em decorrência do dia da eleição: ‘mais de 200 observadores certificaram a tranquilidade da jornada’.

A presidenta do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), María Eugenia Choque, aclarou que a TREP ‘foi suspensa para evitar confusões com o resultado do sistema de cômputo das departamentais’.

 

A servidora pública assegurou que decidiram suspender este sistema porque os tribunais Departamentais arrancaram com o cômputo oficial e o TSE não podia ‘ter funcionando dois resultados ao mesmo tempo’.

Segundo o Chanceler Diego Pary, ‘não teve interrupção no TREP’, senão que o contagem oficial o substituiu. Mas ‘a solicitação das missões de observação reiniciou-se o contagem TREP 24 horas depois. Deu-se a conhecer uma nova tendência, incorporando votos de regiões mais afastadas do país’.

O golpe de estado em Bolívia tem trazer# à tona o duplo jogo da OEA. De imediato anunciou, inclusive antes de que fossem conhecidos os resultados finais, que o processo eleitoral não era crível.

O departamento de Estado norte-americano apressou-se a afirmar que ‘os Estados Unidos apoiam fortemente o relatório de observação da OEA de 23 de outubro, que revela um número de irregularidades que requerem ser emendados’.

Assim Washington deixava claro ao ‘mundo livre’ qual era a posição do gendarme mundial para o processo eleitoral boliviano.

O governo de Evo Morales aceitou então sua proposta de enviar uma missão de auditoria. Mas o candidato Mesa rejeitou a missão da OEA, reavivando as chamas.

O coordenador da auditoria eleitoral da OEA até teve que demitir para lhe dar credibilidade ao relatório, e ser o autor de uma série de artigos contra o governo de Morales! Ainda assim, Evo aceitou o seu substituto e comprometeu-se a que o resultado fosse vinculante.

Finalmente, o comunicado preliminar da auditoria da OEA sobre o processo eleitoral chegou uma semana depois, adiantando-se dois dias à data prevista. Não era de estranhar que denunciasse irregularidades. O Presidente Evo aceitou pois as novas eleições.

Mas Mesa e Camacho recusaram-nas. Apesar do anúncio do presidente Evo de respeitar as conclusões do relatório OEA e permitir novas eleições, a oposição seguiu sua estratégia golpista.

Seu objetivo era preciso: jogar pela força a Evo, perseguir ao MAS e desse modo acabar com um sujeito histórico coletivo.

Pouco antes de seu discurso de renúncia, Evo Morales reconheceu que a OEA tinha feito ‘um relatório político e não técnico’. Por ter superado outra tentativa inesperadamente pouco depois de chegar a ser presidente em 2006, o governo de Evo pôde ser tido preparado ante essa eventualidade.

Os cabos confidenciais de wikileaks poderiam ter ajudado inclusive a antecipar o modus operandi.

Em 21 Agosto de 2009, Hillary Clinton perguntava a sua embaixada em La Paz: que tão preparada esta a oposição para usar a violência em caso necessário? Tem algum plano para combater às forças de segurança com fins defensivos ou ofensivos?

Em outro cabo o 10 Setembro 2009 Hillary insistia: ‘lidere-os ou grupos da oposição planejam protestar ou manifestar-se se suspeitam de uma fraude nas eleições? Têm um plano para abster-se de votar ou tentar cometer fraude?’.

Em contraste com a celeridade com que a OEA fez público seu primeiro comunicado incendiário, o relatório final chegou com grande demora quase um mês depois, em 4 de dezembro.

Em resposta, uma centena de especialistas internacionais exigiram que ‘retire suas declarações enganosas sobre as eleições, as que têm contribuído ao conflito político e têm servido como uma das justificativas mais utilizadas para consumar o golpe militar’.

Levando em conta semelhante precedente, bem como os exemplos recentes da ingerência da OEA nos casos de Nicarágua e Venezuela, será necessário que os povos saquem suas próprias conclusões.

Após o golpe na Bolívia, que país tomará em sério à OEA, a capacitando para outorgar certificados de democracia?

A GUERRA MIDIÁTICA EM SEU PONTO ÁLGIDO

Com tela de fundo da suspeita de fraude devidamente mediatizada, a violência tomou cada vez maior dimensão, ainda que tenha sido tolerada.

Depois de ser assinalados como partidários do governo, os jornalistas e os trabalhadores dos meios de comunicação de serviço público foram atacados, humilhados e impedidos de trabalhar.

A polícia parecia não atuar após que a oposição fosse a seu encontro e a convencesse de unir ao golpe. Provavelmente foi preparado antecipadamente.

O amotinamento de forças policiais em Cochabamba e outros departamentos foi devidamente ensaiado e midiatizado mediante cartazes onde se anunciava ‘Não queremos diálogo Todos juntos pela democracia!’e outras onde se visualizava uma grosseira caricatura do presidente Evo pendurado boca acima por suas partes íntimas.

A guerra psicológica e midiática atingiu seu ponto álgido ao conseguir que o medo se apoderou dos partidários do MAS, à medida que os ataques criminosos da oposição contavam com a passividade das forças policiais e do exército aquarteladas.

Com sua ajuda pôde ser levado a cabo uma autêntica estratégia de terror: os membros do governo foram ameaçados, sequestrados, seus domicílios privados foram incendiados ao todo impunidade, e terminaram renunciando a seus cargos sob a pressão de represálias contra suas famílias.

Naqueles momentos, com a traição das forças de segurança jogou-se o destino da Bolívia plurinacional. Foi o acontecimento que fez inclinar a balança em prol de uma estratégia golpista pensada como um conjunto de forças combinadas.

Uma oposição fabricada a golpe de dólar cujo único fim era sabotar a democracia. Seu objetivo?

Permitir de novo o saque das riquezas nacionais e impedir o desenvolvimento industrial de Bolívia a partir de suas importantes reservas de lítio. O comando militar entrou em cena: ‘sugeriu’ ao presidente Morales que renunciasse pelo bem do país. Em 10 de novembro Evo Morales viu-se obrigado a demitir para pôr fim à violência da oposição e evitar um banho de sangue.

Significativamente, os grupos de choque ou motoqueiros saíram a festejar a chegada do que consideram democracia… Muito deles deles ainda encapuzados!

Uma vez consumado o golpe, essas mesmas forças saíram a reprimir sem nenhum conserto aos que resistiam, enquanto os meios privados qualificavam-lhes de ‘multidões’, ‘vândalos’ ou ‘radicais’.

Contrariamente à ideia que um poderia ser feito de uma ‘ditadura’ instalada há 14 anos, a imprensa privada combinada com o uso das redes sociais jogou um papel crucial ao justificar o golpe de estado mediante uma campanha de propaganda onde se investia o papel da vítima e o agressor e se demonizava o presidente Evo Morales. Em que regime tirânico os meios se colocaram tão aberta e livremente do lado de setores golpistas?

É hora de chamar aos fatos por seu nome. Os grupos neofascistas jogaram um papel decisivo neste verdadeiro golpe de estado. Reservou-lhes um lugar privilegiado, favorecendo a organização de milícias armadas que atuassem em cooperação com as forças policiais.

Atuaram grupos como a União Juvenil Crucenhista, definida pela Federação Internacional de Direitos Humanos como ‘grupo paramilitar fascista’. Em 25 de novembro seus membros ocuparam a sede da Federação Sindical de Trabalhadores Camponeses de Santa Cruz para queimar suas equipes e documentação.

Em Bolívia, os mercenários e os militares estão agora fazendo suas próprias regras. É impossível imaginar no contexto atual nenhum tipo de ‘transição’ sem que continue o derramamento de sangue.

IMPUTAR OS MASSACRES ÀS PRÓPRIAS VÍTIMAS

Na sexta-feira 15 de novembro, uma marcha de camponeses das seis Federações do Trópico de Cochabamba encontrava-se na ponte Huayllani, de Sacava para Cochabamba.

Esse lugar estratégico de conexão com a capital do departamento foi o objeto de um importante deslocamento para evitar que os cocaleiros do Chapare entrassem na cidade.

O resultado foi um sangrento massacre cujo resultado foram nove vítimas mortais e dezenas de feridos.

Através de vídeos gravados pelos próprios camponeses pôde-se evidenciar o sobre excesso de armamento químico. Ademais, vários depoimentos evidenciaram o uso de armamento bélico utilizado por soldados de helicópteros que sobrevoavam o lugar.

No mesmo dia, Jeanine Añez tinha assinou o decreto 4078 que permitia às Forças Armadas o uso de armamento bélico sem responsabilidades ulteriores, com o objetivo de neutralizar aos movimentos sociais favoráveis a Evo Morales.

Em dito documento também especificava que todas as entidades públicas e privadas do Estado deviam prestar apoio às Forças Militares.

Os meios e redes sociais inocularam nas mentes a descabelada ideia de que os membros da marcha se tinham disparado entre eles para chamar a atenção, e que a repressão do governo estava justificada para ‘pacificar o país’ depois do golpe.

Em Senkata, O Alto, teve lugar um novo massacre que os meios privados justificaram como uma sorte de ‘ataque preventivo’, esgrimindo a ideia de que os manifestantes, apresentados como ‘terroristas’, teriam procurado provocar uma explosão da planta de gás que tivesse feito desaparecer a cidade do Alto.

A presidenta de facto Añez não poupou recursos em apresentar ao agressor como uma vítima e vice-versa: ‘nós em nenhum momento pensamos atacar, a nós nos estavam atacando (…) do Exército não saíram balas (…) Tinha informação de gente experiente dizendo-nos que se em Senkata lhe chega uma chama pode voar O Alto’ Quem conceberam esse tema atingiram o ponto máximo na arte da propaganda. No entanto, contrariamente à mentira repetida mil vezes de que o exército não disparou ‘nem uma só bala’, diferentes depoimentos afirmam que as vítimas mortais foram tomadas por alvo de helicópteros.

Durante sua missão de observação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), nada suspeito de parcialidade a favor do governo de Evo, recolheu numerosos depoimentos dos massacres de Sacava e Senkata e denunciou que atualmente não existe ‘nenhuma garantia de independência do poder judicial’ na Bolívia.

Como resposta, em 6 de dezembro a presidenta autoproclamada aprovou o ‘decreto supremo 4100’ com o objetivo de indemnizar aos familiares dos 35 falecidos e centenas de feridos pela repressão que ela mesma ordenou. O preço para comprar seu silêncio? 50 mil bolivianos, pouco mais de sete mil dólares.

Um ‘chantagem’ em toda regra para os porta-vozes das vítimas, que já anunciaram sua vontade de levar o caso às Nações Unidas. De imediato um grupo de porta-vozes respondeu: ‘não queremos sua prata, é um chantagem’. O silêncio das vítimas não se compra.

 

A CIDH declarou sua preocupação ante o decreto, por incluir uma cláusula que impossibilitaria o recurso das vítimas a instâncias internacionais para reclamar seus direitos. Isso representaria uma violação aos compromissos assumidos ao ratificar o Estatuto de Roma, em particular o princípio de imprescritibilidade em matéria de crimes contra a humanidade.

FRENÉTICA PERSEGUIÇÃO POLÍTICO-JUDICIAL

A perseguição, as detenções arbitrárias e as ameaças de morte contra os responsáveis pelo governo destituído e suas famílias aumentam dia a dia.

O mesmo padrão utilizado para conseguir o golpe mantém-se ativo até atingir a meta da ditadura: acabar com toda resistência em frente ao golpe.

É bem como segue-se detendo preventivamente a todo aquele que possa servir de bode expiatório para se livrar de seus crimes.

Cinelândia 51 13 andar Praça Floriano

Durante as últimas semanas a Defensoria do Povo de Bolívia, que se limita a realizar uma avaliação dos direitos humanos e a contar as vítimas, tem sofrido fustigamento e lhes impediu a seus trabalhadores exercer seu labor.

Seu representante em Cochabamba, o Sr. Nelson Cox, questionou ‘o papel que desempenham a Promotoria e a Polícia com respeito aos cercos e protestos nas instalações da defensoria, os chamando de permissivos ante atos de agressão’.

A mera existência dessa organização é algo inaceitável para os golpistas. Raivosos ante essa pequena mostra de resistência, os representantes do governo de facto incitam a seus seguidores a agredir aos membros da Defensoria inclusive em seus domicílios privados.

‘Têm efetuado explosões de petardos em meu domicílio, têm-me sindicado pela comissão de ilícitos, de narcotraficante, de assassino, de terrorista (…), efetuaram ameaças na contramão de minhas filhas e minha família’, declarou o Sr. Cox.

Longe de estar satisfeito com ter tomado o poder pela força, o governo de facto é consciente de que sua legitimidade pende de um fio. Razão pela qual a repressão deve tomar um cariz proeminente até a organização das próximas eleições.

Sem demorar, umas unidades especiais antiterroristas foram apresentadas com grande pompa, anunciando os próximos crimes que ficarão impunes.

Sem medo ao ridículo, em 6 de dezembro a autoproclamada presidenta anunciou a criação de um ‘comitê interinstitucional de defesa das vítimas por motivos políticos e ideológicos dos últimos 14 anos’.

Pouco antes, Añez tinha felicitado ao porta-voz das bandas paramilitares que aterrorizaram à população nos momentos decisivos do golpe, atuando com a cumplicidade da polícia e o exército (incêndios de casas, linchamentos, ataques racistas, etc).

E por se ainda fazia falta demonstrar a quem Añez considera vítimas, no mesmo dia se libertou a quatro mineiros condenados pela tortura e assassinato do vice-ministro do interior Rodolfo Illanes em agosto de 2016.

Em 11 de novembro, a presidenta e o ex vice-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), Maria Eugenia Choque e Antonio Costas, foram detentos junto a 34 vogais.

Em 27 de novembro deteve-se preventivamente ao governador de Chuquisaca Esteban Urquizu, por ‘abandono de cargo’, após que tivesse renunciado em 10 de novembro.

Em 3 de dezembro, a ex ministra do desenvolvimento produtivo Susana Rivero Guzmán denunciou ‘Ameaças de morte a meu filho, destroços em nossa pequena casa em La Paz e um clima hostil de amedrontamento à família’. Por essa razão, anunciou sua vontade de ‘ir a instâncias internacionais de proteção de direitos humanos’.

Em 4 de dezembro, o ex vocal do Tribunal Supremo Eleitoral Idelfonso Mamani, foi detido. Leiam a acusação: ‘se presume que o TSE adjudicou a impressão do material eleitoral a uma imprensa, no entanto, o trabalho o fez outra’.

Em 6 de dezembro anunciou-se a saída do país do ex ministro de economia Luis Arce Catacora, que pôde ser beneficiado do asilo oferecido pelo México.

No mesmo dia a ex ministra de Comunicação Amanda Dávila foi acusada de utilizar fundos da Editorial do Estado para plotar material de campanha do MAS. Dávila denunciou ter sido vítima de uma montagem mediante uma foto da visita da filha de Morales.

Esta lista não exaustiva nos permite compreender que o que está em curso é uma frenética perseguição político-judicial contra todos os membros de anteriores governos de Morales, lançando uma sombra de suspeita com o tema da corrupção, com o fim de impugnar e apagar por completo a memória dos 13 anos do processo de mudança em Bolívia, cujo balanço econômico e social tem sido mundialmente reconhecido, em particular mediante a redução da pobreza extrema em 23 por cento.

 

CONFISSÕES DE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Porque a melhor defesa é o ataque, o ‘ministro de governo’ Murillo, que incitou a ir de ‘caçada’ contra membros do governo destituído e tratou de intimidar a quem defendessem-lhes, tem feito pública sua intenção de levar a Evo Morales ante o Corte Penal Internacional de Haia ‘por crimes de lesa humanidade’, culpando-lhe das 35 vítimas mortais, inclusive após sua demissão e exílio do país.

Endossar a um presidente deposto a responsabilidade das vítimas de um regime que tem militarizado o país e reprimido o protesto, é fazer gala de uma ousadia sem limites, ou bem uma maneira de convencer da impunidade com a que crê poder contar após ter retomado plenas relações com Estados Unidos.

Sem dúvida Murillo trata de utilizar todo o que esteja a seu alcance para investir a vítima e o agressor. É bem como tem tratado de apresentar ao vice-presidente Álvaro García Linera como ‘terrorista confesso’ e ‘narcoguerrilheiro’, reativando o imaginário das ditaduras durante a Guerra Fria.

Também tem difundido amplamente um áudio no que supostamente se escuta Morales alentando a bloquear as cidades com o objetivo de que a população resista ao golpe.

Já se trate de um documento autêntico ou falso, o preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos de Nações Unidas, claramente inspirado na declaração francesa de 1789, prevê de maneira implícita o direito à rebelião em situações marcadas pela ausência de garantias democráticas e constitucionais: ‘é essencial que os direitos humanos sejam protegidos por um regime de Direito, a fim de que o homem não se veja compelido ao supremo recurso da rebelião contra a tirania e a opressão’.

Ilegítimo, o governo de facto de Añez-Murillo foi imposto por um exército cuja primeira missão tem sido aplastar o protesto e elegeu o povo humilde das zonas rurais, despojando de seu direito ao voto e sua participação na vida democrática depois de séculos de exclusão.

Sua previsível função é a de ocultar e justificar a atual onda de repressão. Mas o digno povo do Estado Plurinacional de Bolívia leva nas costas uma experiência de séculos resistindo com férrea determinação à tirania do colonialismo e seus sucessores.

É hora de compreender que as campanhas de desinformação são um mecanismo global cujo objetivo é quebrantar a soberania dos povos do mundo e derrubar as pontes de solidariedade.

O apóstolo da independência cubana, José Martí, resumiu-o de maneira imemorável: ‘Os povos que não se conhecem têm de se dar pressa para se conhecer (?)’.

*Jornalista independente catalão, membro da seção belga da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade, colaborador da Prensa Latina.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS