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sexta-feira, 19 abril, 2024

‘Cabeças-de-cão’, os guardas pessoais de Ivan, o Terrível

 EKATERINA SINÉLSCHIKOVA
Membros da ‘oprítchnina’ eram temidos pela elite e sua palavra era ordem. O apelido canino não era à toa: eles ficaram conhecidos por execuções em massa, perseguição dos inimigos da monarquia e confisco de propriedades.
Oprichniks
Os ‘oprítchnik’, membros da ‘oprítchnina’, na cidade de Nôvgorod. Pintura de Mikhail Avilov. Foto:Vostock-Photo
Inflexíveis, implacáveis e eternamente leais ao tsar, eles aterrorizavam o país inteiro e tinha até palavra final nos tribunais.
Seus cavalos levavam cabeças de cachorros cortadas com machados penduradas nos pescoços, e o seus corpos era coberto por vestimentas escuradas parecidas com as de monges. Todos os temiam, dos pobres à nobreza.
Ivan, o Terrível, Grão Príncipe de Moscou que teria matado o próprio filho, está ligado a um dos períodos mais sombrios da história da Rússia.
Com a “oprítchnina”, o temido tsar criou uma nova classe social, uma guarda particular e uma polícia secreta, tudo condensado em uma instituição para lidar com elementos indesejados.
Estado dentro do Estado
Quando o líder militar de origem nobre Andrêi Kurbski traiu seu amigo mais próximo, Ivan, em 1564, o último tomou uma atitude sem precedentes.
Ele deixou Moscou, que estava em guerra com a Lituânia, e, depois de uma breve oração, reuniu a família, juntou o tesouro estatal e deixou o Kremlin sem dizer palavra.
Execução de um boiardo (membro da aristocracia russa) durante o reinado de Ivan, o Terrível. Pintura de Vassíli Vladímirov. 1906. / Foto: Legion MediaExecução de um boiardo (membro da aristocracia russa) durante o reinado de Ivan, o Terrível. Pintura de Vassíli Vladímirov. 1906. / Foto: Legion Media
Ele viajou 123 quilômetros, até o Kremlin de Aleksandrov, que servia de residência real e onde se trancou com a família. O passo imprudente levou a uma grande queda da elite política russa, e tsar tinha motivos para temer a perda do poder e da própria vida.
O pânico tomou a capital. As pessoas estavam aterrorizadas e multidões se reuniram diante do Kremlin de Aleksandrov exigindo que Ivan retornasse a Moscou para colocar um fim à anarquia que destruía a capital.
Um mês depois, Ivan voltou a Moscou para reinar, mas exigia que o país fosse dividido em duas partes: uma seria dominada por sua guarda pessoal, a “oprítchnina”, e outra, pelos boiardos e kniaz, como no passado. Todas as classes restantes levariam a vida como antes.
Os cabeças de cães
Os “oprítchnik”, ou seja, membros da “oprítchnina”, eram escolhidos entre homens provenientes de classes baixas. O principal critério de escolha era que eles não tivessem qualquer conexão com dinastias nobres.
Cada membro fazia um juramento de lealdade ao tsar e prometia se abster de comer, beber e andar em companhia de qualquer um que não fosse membro da “oprítchnina”. Se ele quebrasse essa regra, era morto junto a pessoa que o acompanhasse.
Cenário da ópera ‘O Oprítchnik’, de Piotr Tchaikovsky. Pintura de Appolinari Vasnetsov. 1911. / Foto: Legion MediaCenário da ópera ‘O Oprítchnik’, de Piotr Tchaikovsky. Pintura de Appolinari Vasnetsov. 1911. / Foto: Legion Media
Os “oprítchnik” viviam em uma parte separada da cidade, em diversos distritos centrais de Moscou (ao redor da rua Stári Arbat e da rua Nikítskaia).
Sem qualquer cerimônia, Ivan desabrigou antigos inquilinos para prover moradia a sua guarda leal, com as pessoas sendo “literalmente jogadas na rua com as mulheres e crianças e às vezes forçadas a se locomover até suas novas moradias a pé, implorando por comida pelo caminho”.
Depois de controlar a área, o tsar ordenou a construção de um novo palácio protegido por muros altos.
Sua guarda pessoal, composta por 1.000 homens, aumentou para os 6.000. O símbolo da “oprítchnina” era uma cabeça de cachorro e uma vassoura amarrada a seus cavalos.
Isso remetia à lealdade deles ao tsar e sua prontidão a dilacerar qualquer “inimigo” da Rússia com a ferocidade de um cachorro e varrê-los para fora do país.
Execuções a mando do tsar
A razão política por trás da “oprítchnina” era prevenir a dissidência no país e manter o controle. Foi então que surgiu o termo “crime contra a soberania” pela primeira vez como base para repressão – legalmente, ele só passou a ser usado em 1649.
O tsar Ivan, o Terrível e Maliuta Skuratov visitando o boiardo Morôzov. Pintura de Klavdi Lebedev. / Foto: Legion MediaO tsar Ivan, o Terrível e Maliuta Skuratov visitando o boiardo Morôzov. Pintura de Klavdi Lebedev. / Foto: Legion Media
Segundo a Crônica de Novgorod, os membros da “oprítchnina” realizaram execuções em massa, roubos e saques. Em 1570, a instituição acusou toda a nobreza de Nôvgorod de traição ao tsar.
“A acusação era evidentemente absurda e controversa”, diz o historiador Vladímir Kobrin.
Mesmo assim, nobres de Nôvgorod foram executados, assim como centenas de seus residentes.
Eles foram encharcados em líquido inflamável, incendiados e jogados no rio Moscou ainda vivos antes de serem executados por homens em barcos. 
O código legal de Ivan, o Terrível
O código legal de Ivan, o Terrível fez da pena de morte uma das punições mais comuns.
Algumas vezes, porém, apenas a palavra do “oprítchnik” era o suficiente. Após a execução, o “oprítchnik” exigia toda a propriedade do “traidor”, e os mais ativos deles eram recompensados generosamente.
“A vontade da soberania é a lei e é um mistério”, diz o personagem principal do romance “Dia do Oprítchnik”, que conta a história do guarda favorito do tsar, Maliuta Skuratov.
A Oprítchnina na corte de Ivan IV. Pintura de Nikolai Nevrev. / Foto: Legion MediaA Oprítchnina na corte de Ivan IV. Pintura de Nikolai Nevrev. / Foto: Legion Media
Faz sentido, portanto, que ninguém questionasse as evidências que endossavam as execuções, e algumas das acusações eram claramente inventadas.
A “oprítchnina” acabou enfraquecendo a ponto de não poder se defender de inimigos externos. Um ano após a devastação de Novgorod, em 1571, o Cã da Crimeia atacou Moscou e a “oprítchnina” mal conseguiu defender o trono, por isso, Ivan, o Terrível colocou o grupo em debandada e executou seus oficiais.
https://gazetarussa.com.br/arte/historia/2017/08/18/cabecas-de-cao-os-guardas-pessoais-de-ivan-o-terrivel_818384

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