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sexta-feira, 29 março, 2024

Capitalismo progressista – um paradoxo

por Michael Roberts [*]

Joseph Stiglitz ganhou o prêmio Nobel (Riksbank) de economia e foi economista-chefe do Banco Mundial, além de consultor da ala esquerda do Partido Trabalhista no Reino Unido. No âmbito da economia mainstream ele posiciona-se à esquerda.

Stiglitz acaba de publicar um novo livro intitulado Povo, poder e lucro: Capitalismo progressivo para uma era de descontentamento ( People, Power, and Profits: Progressive Capitalism for an Age of Discontent ), no qual proclama que “podemos salvar nosso sistema económico rompido consigo próprio”. Ele está muito preocupado com a crescente desigualdade de rendimento e riqueza nas principais economias, especialmente nos EUA. “Cerca de 90% viu seu rendimento estagnar ou diminuir nos últimos 30 anos. Isto não é surpreendente, dado que os Estados Unidos têm o nível mais alto de desigualdade entre os países avançados e um dos níveis mais baixos de oportunidade – com o destino dos jovens americanos mais dependente do rendimento e educação dos seus pais do que alhures”.

Como vê, [para ele] o capitalismo costumava ser “progressista” na medida em que desenvolvia a economia e elevava a condição humana, usando o conhecimento científico e a inovação; e funcionou bem, com o estado de direito e os controles democráticos dos “excessos”. Mas, na década de 1980, surgiram Ronald Reagan e Margaret Thatcher e mudaram as regras , desregulamentando a economia – e agora Trump está a destruir os pesos e contrapesos. Assim, o capitalismo progressista dos anos 1960 foi destruído. Ao confiar em mercados descontrolados, a exploração e a desigualdade tornaram-se desordenadas.

“O resultado é uma economia com mais exploração – sejam práticas abusivas no sector financeiro ou no sector de tecnologia a utilizar nossos próprios dados para aproveitar-se de nós ao custo da nossa privacidade. O enfraquecimento da fiscalização anti-trust e a falha da regulamentação em manter-se a par das mudanças na nossa economia e nas inovações quanto à criação e alavancagem do poder de mercado significa que os mercados se tornaram mais concentrados e menos competitivos”. (Stiglitz)

Qual é a solução de Stiglitz? “As coisas não precisam ser assim. Existe uma alternativa:   o capitalismo progressivo. O capitalismo progressivo não é um oximoro; podemos de facto canalizar o poder do mercado para servir a sociedade”. Você vê, não é o capitalismo que é o problema, mas os direitos adquiridos (vested interests), especialmente entre monopolistas e banqueiros. A resposta é o retorno aos dias de capitalismo administrado que Stiglitz acredita ter existido na idade de ouro das décadas de 1950 e 1960.

Como retornar à era de ouro do capitalismo progressista? Em Democracy Now, o entrevistador perguntou a Stiglitz :   “deveríamos ir para o capitalismo progressista ou para o poder dos trabalhadores? Ele respondeu: “O mercado terá de desempenhar um papel importante. Então, foi por isso que quis usar a palavra “capitalismo”. Mas quis sinalizar que a forma de capitalismo que temos visto nos últimos 40 anos não tem funcionado para a maior parte do povo. E é por isso que falo acerca de povo. Temos de ter capitalismo progressivo. Temos de domesticar o capitalismo e redireccioná-lo o capitalismo de modo a que sirva à nossa sociedade. Como sabe, o povo não deve servir a economia; a economia é que deve servir o nosso povo”. Quando lhe perguntaram: “O capitalismo não fez sempre isso (ou seja, servir os ricos e os monopólios ao invés dos pobres e dos trabalhadores)?”, Ele respondeu “Não na medida em que o tem feito”.

As visões de Stiglitz são ou pura ingenuidade ou sofismas inteligentes – ou talvez ambos. Será que ele realmente pensa que houve um período em que o capitalismo beneficiou tanto trabalhadores como corporações; os ricos e os pobres? A “idade de ouro” depois de 1945 até o final da década de 1960 foi a excepção nas economias capitalistas avançadas e só para aquelas economias, não para a América Latina, a Ásia, o Médio Oriente e a África. Na maior parte do globo, aquelas décadas foram de extrema pobreza e uma batalha contra a exploração imperialista.

De qualquer modo, é um mito que nos anos 50 e 60 todos tenham ganho com o capitalismo “progressista” no Ocidente. E os ganhos obtidos em serviços públicos, o estado de bem-estar social, emprego relativamente pleno e ascensão de rendimentos foram principalmente o resultado da luta e pressão do movimento trabalhista, obrigando a concessões dos donos do capital.

E Stiglitz nunca explica por que esse supostamente capitalismo progressista regulado e democrático chegou ao fim nos anos 70, excepto ao sugerir que isso se deveu à política vil de Reagan, Thatcher etc. Mas os leitores deste blog sabem que houve uma mudança de condições objectivas a partir de meados da década de 1960, nomeadamente uma queda aguda na lucratividade do capital globalmente.

Isso significava que o capital já não podia mais aderir ao aumento dos rendimentos reais, mais serviços públicos e educação e saúde gratuitas, etc. Os anos de alta lucratividade que permitiam as concessões acabaram para sempre. A lucratividade é a força condutora do capitalismo, de modo que os políticos eram eleitos (tanto de direita quanto de esquerda) com o compromisso de reduzir o estado de bem-estar social e a força de trabalho; privatizar e desregulamentar. Acima de tudo, o capitalismo “progressista” teve uma série de grandes recessões (slumps) que enfraqueceram o movimento trabalhista e restauraram (em certa medida) a lucratividade.

Na verdade, Stiglitz nunca menciona as causas das recessões, excepto para sugerir que elas são devidas à crescente desigualdade: ” Se tivéssemos restringido a exploração em todas as suas formas e estimulado a criação de riqueza, teríamos uma economia mais dinâmica e com menos desigualdade. Poderíamos ter contido a crise dos opióides e evitado a crise financeira de 2008″. E ainda assim as quedas internacionais de 1974-5 e 1980-82 ocorreram quando a desigualdade estava no seu nível mais baixo desde o início do capitalismo industrial (segundo o gráfico de Thomas Piketty). Assim, a desigualdade crescente não foi a causa da Grande Recessão, mas o resultado de esforços para aumentar a lucratividade após a década de 80 .

E como voltarmos a esse “capitalismo progressista”? Stiglitz propõe regulamentação, desmantelar os “monopólios”, tributação progressiva, acabar a corrupção e reforçar a regra da lei no comércio. ” A prescrição decorre do diagnóstico: ela começa por reconhecer o papel vital que o estado desempenha em fazer os mercados servirem a sociedade. Precisamos de regulamentações que assegurem uma forte concorrência sem exploração abusiva, realinhando o relacionamento entre as corporações e os trabalhadores que elas empregam e os clientes a que deveriam atender. Devemos ser tão resolutos no combate ao poder de mercado quanto o sector corporativo em aumentá-lo”. Estas prescrições estão na linhagem da esquerda reformista nos EUA e alhures. A senadora da esquerda democrata americana, Elizabeth Warren, fez propostas semelhantes com seu plano de “capitalismo responsável” .

O que no mundo faria os 1% do topo e os possuidores de capital muito ricos concordarem em reduzir seus ganhos a fim de obter uma economia mais igualitária e bem-sucedida? E como a regulamentação e mais igualdade tratariam com o desastre iminente que é o aquecimento global [NR] quando o capitalismo acumula avidamente sem qualquer respeito pelos recursos e viabilidade do planeta? Programas de redistribuição fazem pouco por isso. E se uma economia se torna mais igual, impediria isso futuras quedas (slumps) no capitalismo ou futuras Grandes Recessões? No passado economias mais igualitárias não evitaram estas quedas.

Ao contrário de 1949, em 2019, nenhuma das medidas “progressistas” de Stiglitz são possíveis. Na verdade, agora provavelmente a única mudança radical só é factível com o “poder dos trabalhadores” e se isso se tornasse uma realidade, poderíamos ir além de tais medidas rumo a um real controle democrático da economia, pela substituição do capitalismo, ao invés de “salvá-lo de si próprio”.

[NR] O problema real do esgotamento dos recursos (petróleo e não só) nada tem a ver com o falso problema de um suposto “aquecimento global”. Ver: A impostura global . O autor foi confundido pela maciça propaganda maciça desse mito climático.

[*] Economista.

O original encontra-se em

thenextrecession.wordpress.com/2019/04/27/progressive-capitalism-an-oxymoron/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

30/Abr/19

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