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sexta-feira, 29 março, 2024

Colômbia, do nascimento da guerrilha ao acordo de paz

A última marcha de guerrilheiros das Farc chegando a uma zona de transição para baixar as armas se integrar à vida civil (AFP)
Em meio à disputa entre Liberais e Conservadores, à esquerda restou a resistência armada. Assim nasceram as guerrilhas colombianas, fruto de uma política construída por e para as elites que sufocou a oposição até a morte, literalmente. A pesquisadora Carolina Ramos, especialista em Colômbia, investigou o período da Frente Nacional (1958 – 1974) e conta o longo caminho desde o nascimento da guerrilha até a implementação do acordo de paz, conquistado em 2016.

Por Mariana Serafini

A Frente Nacional foi um governo de coalizão entre os Liberais e os Conservadores onde não havia espaço para outros partidos políticos disputarem, apesar de acontecer eleições regularmente a cada quatro anos. Neste período se intensificou a perseguição aos movimentos sociais e à oposição. A resposta foi a organização através das armas, com um programa revolucionário, assim nasceram as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo), a ELN (Exército de Libertação Nacional) e outras guerrilhas com menor expressão.

Para a autora do livro “A Frente Nacional na Colômbia (1958-1971): A Ditadura Democrática das Classes Dominantes”, a guerrilha foi “a única reforma possível diante de um governo extremamente fechado à oposição que não dava nenhuma oportunidade de atuação legal institucional. Um governo que reprimia os movimentos sociais assassinando mesmo os líderes políticos”. Mas para entender a Frente Nacional, é preciso voltar alguns anos na história, para o chamado “Período da Violência”: a disputa irracional entre os dois principais partidos levou o país a um regime militar, que durou apenas três anos e foi substituído pelo acordo de coalizão.

“A Frente Nacional vem como uma solução momentânea para tentar controlar a violência que resultou do assassinato do [Jorge Eliécer] Gaitán. Ele era um líder popular, na época que foi assassinado era dirigente do Partido Liberal e um forte candidato à presidência”. Conhecido como uma figura progressista, que atuava principalmente em defesa dos camponeses, o liberal foi assassinado durante a conferência de criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Colômbia. Apesar da grande repercussão, o caso não foi completamente esclarecido até hoje.


Carolina Ramos é autora do livro “A Frente Nacional na Colômbia (1958-1971): A Ditadura Democrática das Classes Dominantes” | Foto: Clécio Almeida
Este episódio foi o estopim para acirrar a disputa polarizada e a violência cresceu principalmente no campo. Neste momento surgem as primeiras experiências guerrilheiras, de orientação liberal. No entanto, já havia também organizações armadas ligadas ao Partido Comunista e outros setores da esquerda. Quando o governo propõe a deposição das armas nem todos concordam e começa um segundo período de violência: a perseguição dos liberais – financiados pelo Estado – aos comunistas. É neste momento que se impulsiona o debate para a criação de uma coalizão, a Frente Nacional, que teoricamente teria força política para conter o conflito e estabelecer a paz no campo.

“Esse período de coalizão tem o objetivo de reestabelecer a democracia depois do regime militar, mas já começa sob Estado de sítio. Além disso, o Partido Comunista não podia concorrer às eleições, mas tinha eleições a cada 4 anos para dar uma cara democrática. Na Colômbia isso também significa uma violência contra os movimentos populares, uma violência física mesmo, de extermínio. Neste período aconteceram vários assassinatos seletivos de líderes populares e camponeses”.

A pesquisadora considera este um dos períodos mais marcantes de violência porque o Estado, além de não dar espaço para a oposição agir institucionalmente, foi “buscar” os guerrilheiros refugiados na selva para exterminar qualquer foco que, na mentalidade da elite colombiana, representasse uma “ameaça”. Isso aconteceu logo após a Revolução Cubana, em 1959, quando pairou sobre América Latina o “fantasma” de organizações camponesas tomarem o poder. É exatamente neste momento que nascem as Farc.

“O governo identifica um foco guerrilheiro e considera que representava ‘perigo’. Assim é firmado um acordo com os Estados Unidos para combater estes camponeses que viviam em uma espécie de comuna agrária”, explica Carolina. No entanto, o plano foi descoberto pelo Partido Comunista que conseguiu avisar os camponeses antes ataque. Eles organizaram uma estratégia de defesa e evacuaram a área. Apenas 44 homens e mulheres “combateram” 16 mil soldados colombianos e estadunidenses usando como principal arma o conhecimento que tinham da selva. Logo após este episódio os camponeses sentem a necessidade de se organizar para defender a própria vida e garantir meios de desenvolver a agricultura, assim fazem uma pequena conferência e fundam as Farc que nasce com um programa revolucionário.

Carolina não titubeia ao afirmar: “muitos camponeses não tinham outra forma de defender a própria vida, entrar nas Farc nunca foi uma opção, é uma necessidade de auto-defesa”. Estes pequenos agricultores, normalmente pobres e vulneráveis, desbravaram a selva colombiana e abriram novas áreas de cultivo. O Estado, com o braço armado do paramilitarismo, perseguiu e deslocou milhões de pessoas, é nesse ponto que a guerrilha conquista a simpatia popular, coube a ela ser o escudo destes trabalhadores do campo.

As milícias paramilitares que foram criadas lá no início dos anos 60 só passaram a ser vistas como uma questão a ser combatida em meados dos 80. Na sua fundação, oficial e institucionalizada, cabia aos comandantes militares locais montar uma organização não militar paralela que deveria ser financiada pelos “notáveis do local”. Os “notáveis” eram, ora empresários do ramo do agronegócio, ora narcotraficantes e, obviamente, o paramilitar passa a obedecer ordens não só do Estado, mas também de quem o financia. Por isso a perseguição aos trabalhadores do campo foi tão intensa.

O acordo de paz

Passaram mais de 50 anos desde o começo desta guerra. Só em 2016 o governo e as Farc conquistaram um acordo capaz de estabelecer a paz, depois de mais de quatro anos de negociações intensas. Agora o documento está em fase de implementação, a guerrilha abandonou as armas e passa pelo período de transição para integrar a vida civil. Mesmo em fase avançada do fim do conflito, Carolina tem receio de como o processo pode se desenvolver após as eleições presidenciais que acontecem em maio de 2018 se até lá os cinco principais pontos do acordo não tiverem sido implementados.


O acordo de paz foi firmado em setembro do ano passado entre o presidente Juan Manuel Santos e o comandante em chefe das Farc, Timoleón Jiménez
“Eu vejo o acordo de paz com muita esperança porque o governo reconhecer a guerrilha como ator político e partir para uma mesa de diálogo é muito importante. O que eu acho perigoso é o cenário de 2018. E se vence um Uribe? O que acontece com os acordos de paz?”, questiona a pesquisadora. O ex-presidente Álvaro Uribe, possível candidato, já deixou claro em dezenas de pronunciamentos públicos que não tem absolutamente nenhum interesse em manter o acordo.

Além do acordo com as Farc, o governo também está em fase de negociação com o ELN. Todo o processo foi selado por observadores internacionais, entre eles a ONU e chefes de Estado. É um mecanismo sólido e legítimo que pode ser colocado a perder se a irresponsabilidade da extrema-direita triunfar nas urnas.

Enquanto o acordo era negociado, a violência contra os dirigentes progressistas não foi contida. De 2012 até 2016, quando aconteciam as mesas de diálogo, foram assassinados 140 líderes, destes, 120 só no último ano. Para Carolina, este cenário mostra a força de Uribe. As Farc passam a ser reconhecidas como ator político, “mas o período da Frente Nacional não terminou. Acabou o contrato, mas continua a mesma estrutura. São os mesmos partidos tradicionais no poder, as mesmas oligarquias. Essa violência do Estado contra os movimentos sociais, principalmente na época do Uribe… a direita na Colômbia é extremamente violenta mesmo. A gente sabe o poder que o Uribe tem e ele não quer acordo com nenhuma guerrilha. A política dele é de sangue e fogo”.

Ainda assim, Carolina prefere ter esperança porque, por mais força que a direita tenha, o processo de diálogo serviu para desmistificar a imagem da guerrilha e isso já foi um avanço importante. Em meio a uma conjuntura mundial que cada vez mais pende para o caminho da guerra, a Colômbia dá um exemplo de como se conquista a paz.

Do Portal Vermelho

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