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sexta-feira, 19 abril, 2024

Desenvolvimento rural via proteção ambiental

Uma nova forma de desenvolvimento rural, que privilegie a proteção ambiental é perfeitamente factível.
João A. de C. Mangabeira/Carta Maior

 INTRODUÇÃO

É possível existir um desenvolvimento rural que não traga conseqüências nocivas ao meio ambiente? A agricultura convencional tem se mostrado eficiente nesse sentido? Em caso negativo, há alguma alternativa agrícola que propicie um meio ambiental saudável, com ênfase na conservação dos recursos naturais?

Este artigo abordará, primeiramente, a relação do modelo econômico atual com o meio ambiente, no intuito de compreender como se constituiu o precário cenário atual no que se refere a essa matéria. Posteriormente, será apresentada uma nova forma de desenvolvimento rural, baseada nos princípios da Agroecologia, os quais podem ser utilizados como norteadores para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento rural sustentável que considere a proteção ambiental, contrapondo-se ao modelo de desenvolvimento rural via produção agrícola convencional. Finalmente, serão analisadas as questões acerca da emergência de uma nova forma de desenvolvimento econômico de forma sustentável, com reflexões sobre o comportamento e valores morais edificados pela sociedade moderna, projetando-se a necessidade da mudança da racionalidade instrumental econômica a fim de reverter a frágil situação de relacionamento com natureza.

Tendo como base vários trabalhos isolados dentre a vasta literatura sobre o tema, este artigo pretende apresentar uma pré-avaliação de elementos teóricos que propiciem análises consistentes, bem como discutir as implicações e limitações para aplicação do desenvolvimento rural sustentável via proteção ambiental.

COMO O MODELO ECONÔMICO ATUAL PREDOMINANTE RELACIONA-SE COM O MEIO AMBIENTE

A corrente de pensamento econômica dominante (mainstream) é a chamada Economia Ambiental (neoclássica) que, de modo geral, leva o indivíduo a ter uma postura egoísta em relação ao bem-estar futuro, sem preocupação com a utilização sustentável dos recursos naturais e sem equidade na distribuição destes recursos em relação às gerações futuras. Não é difícil perceber que essas preferências individuais em busca do uso ótimo dos recursos naturais atuais não se mostram adequadas para garantir a sustentabilidade, uma vez que se trata de uma visão desprovida de ética, perpetuidade e equidade. Assim, o Homo Economicus neoclássico dá sempre a preferência ao individual em detrimento a uma futura necessidade de recursos naturais. Maximiza a utilidade do indivíduo, considerando a sustentabilidade como critério de bem-estar social (ROMEIRO, 2001). Esta corrente econômica neoclássica avalia a relação entre economia e meio ambiente, em seus modelos econômicos, de forma superficial.

A Economia Ambiental baseia-se no liberalismo de Adam Smith (1723-1790) que, ao publicar a obra “A Riqueza das Nações”, em 1776, chamou a atenção pela primeira vez sobre a existência de uma “mão invisível” orientando as ações de milhões de consumidores e milhões de empresas que, sozinhos, encontram a posição de equilíbrio nos vários mercados, sem a intervenção do Estado e sem a presença dos recursos naturais. Para Adam Smith o mundo só se explica por competição, o que justifica a postura egoísta do indivíduo, interessado em maximizar seu bem-estar. Tal corrente acredita em um crescimento econômico de forma ilimitada e postula que os problemas de escassez dos serviços ecossistêmicos, prestados pela natureza, seriam superáveis indefinidamente pelo progresso científico e tecnológico. Ou seja, no limite dos recursos naturais (recursos exauríveis e recursos renováveis), esses podem ser substituídos via desenvolvimento tecnológico, o que acarretaria a solução de problemas de cunho ambiental, mantendo assim o crescimento econômico.

A Economia Ecológica, por sua vez, aprece em contraposição à economia neoclássica, colocando em dúvida boa parte do ortodoxo instrumental desta última. Para a Economia Ecológica, existem limites biofísicos e ecológicos à contínua expansão do sistema econômico, bem como limiares ecológicos que, uma vez ultrapassados, podem levar a perdas irreversíveis e potencialmente catastróficas. Dentro dessa visão pré-analítica fundamental, a Economia Ecológica tem como desafio analisar as interações entre sistema econômico/capital natural e como ocorrem os processos ecológicos que geram serviços essenciais de suporte à vida. Os elementos estruturais do capital natural e as funções ecológicas decorrentes são interdependentes, o que requer um esforço de análise conjunta dos vários tipos de recursos que compõem o capital natural.

Para a Economia Ecológica, o sistema econômico é visto como um subsistema de um todo maior que o contém, o meio ambiente, o qual impõe restrições absolutas à sua expansão (ROMEIRO, 2001). Pressupõe que o caminho para a sustentabilidade está na lógica econômica cíclica, com novos estilos de vida, produção e consumo. A ciência e a tecnologia devem promover estudos que determinem escalas locais sustentáveis de uso dos recursos naturais, a partir de estudos integrados de conhecimento físico e de relações sociais dos territórios, sendo que a determinação das escalas só pode ser realizada por meio de processos coletivos de tomadas de decisão (entre entes públicos e privados) subsidiadas por informações oficiais e científicas. O Princípio de Precaução é valorizado pela Economia Ecológica, com a adoção antecipada de medidas contra fontes potenciais de danos, sem esperar certezas científicas de causa/efeito da atividade. Portanto, para essa corrente, a racionalidade econômica também envolve valores culturais e sociais, o que inevitavelmente demanda profundas mudanças institucionais, novos instrumentos econômicos e inovadoras metodologias de valoração indireta de serviços ecossistêmicos, indo além da microeconomia (ROMEIRO, 2001).

Diferentemente da corrente econômica predominante, aqui o princípio de cooperação entre os indivíduos e de precaução em relação ao uso dos recursos naturais são de fundamental importância. O uso indiscriminado dos recursos naturais, sem precaução, acima da sua capacidade de suporte, propicia uma forte pegada ecológica, o que nos remete a um conceito de Herman Daly, um dos precursores da Economia Ecológica. Em contraposição ao conceito de “mão invisível”, ele afirma que existe um “pé invisível”, ou seja, o uso indiscriminado dos recursos naturais de uso comum, sem alguma limitação no uso privado destes recursos, não leva a uma alocação ótima dos recursos, devido à competição, e sim levará à exaustão destes recursos naturais.

A saída para essa perspectiva sem futuro proposta pelos economistas ambientais exige a mudança do paradigma de desenvolvimento, abandonando-se a crença no crescimento ilimitado. Faz-se necessário adotar uma nova ética, não-economicista, de visão da economia e gestão dos recursos naturais, abandonando-se o paradigma vigente, o qual tem sido ecologicamente predatório, além de socialmente injusto (MANGABEIRA & ROMEIRO, 2007). Com o crescimento ilimitado da economia, alguns recursos naturais irão desaparecer, sendo que diversas atividades ecossistêmicas serão prejudicadas. Uma proposta de desenvolvimento viável não pode escamotear essa realidade: deve oferecer caminhos que permitam progresso material com respeito à capacidade de suporte – ou seja, dos limites – dos ecossistemas (MANGABEIRA & ROMEIRO, 2007).

Cabe, portanto, a todos os atores da sociedade e do governo assimilar a noção de que a gestão dos recursos naturais é uma tarefa comum, numa perspectiva de progresso que seja ecologicamente responsável. Ou seja, trata-se de buscar um padrão de desenvolvimento ecologicamente suportável e socialmente justo, que siga também os parâmetros da eficiência econômica (MANGABEIRA & ROMEIRO, 2007).

UMA NOVA FORMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL BASEADA NOS PRINCÍPIOS DA AGROECOLOGIA

A forma tradicional de desenvolvimento rural, pela produção agrícola convencional, tem seu embasamento teórico na Economia Neoclássica. Desde a chamada “revolução verde”, os objetivos principais têm sido a melhoria do desempenho dos índices de produtividade agrícola por meio de um conjunto de práticas tecnológicas, tais como: variedades vegetais geneticamente modificadas extremamente exigentes em fertilizantes químicos de alta solubilidade, agrotóxicos com maior poder biocida, irrigação e motomecanização. Todo o processo tem sido conduzido sem considerar as externalidades negativas do impacto ambiental destas tecnologias ao meio ambiente e ao consumo humano.

Como salienta Altieri (2001), após três décadas de implantação deste padrão da revolução verde o padrão convencional de agricultura tem se mostrado insustentável, não só pelo aumento da pobreza e o aprofundamento das desigualdades, mas também pelos impactos ambientais negativos causados pelo desmatamento continuado, pela redução dos padrões de diversidade pré-existentes, pela intensa degradação dos solos agrícolas e contaminação química dos recursos naturais, entre tantos outros impactos.

O quadro de insustentabilidade deste modelo agrava-se ainda mais quando se considera a tendência histórica das últimas décadas, que mostra uma crescente elevação do custo de produção, grande parte pelos altos custos dos insumos agrícolas, associada à queda real dos preços pagos aos produtores (op. cit.). Simultaneamente ao aumento dos investimentos em novas tecnologias para aprimorar ainda mais o padrão produtivo desta “revolução verde” surgem as preocupações relacionadas aos impactos socioambientais e econômicos desse padrão tecnológico.

Ainda analisando essa insustentabilidade, Gliessman (2001) enfatiza que o uso abusivo dos insumos agroquímicos significou a redução da eficiência energética e o aumento dos custos de produção para os sistemas produtivos. Segundo esse autor, “a agricultura moderna é insustentável – ela não pode continuar a produzir comida suficiente para a população global, em longo prazo, porque ela deteriora as condições que a tornam possível”.

A saída, portanto, para um desenvolvimento rural sustentável e amigável ao meio ambiente passa necessariamente por uma corrente econômica baseada nos princípios da Economia Ecológica e pela Agroecologia que, a partir da crítica à corrente econômica predominante, propõe uma revisão profunda em conceitos-chave da agricultura moderna, como rentabilidade ou produtividade física por unidade de área ou de mão-de-obra, sugerindo, por exemplo, que a sustentabilidade dos sistemas agrícolas deve ter em conta tanto as externalidades como os balanços energéticos da produção agrícola. A Agroecologia tem como referencial teórico as abordagens de alguns de seus precursores: Miguel A. Altieri (Universidade da Califórnia, Campus de Berkley, EUA), Stephen R. Gliessman (Universidade da Califórnia, Campus de Santa Cruz, EUA); e Sevilla Gusmán (Universidade de Córdoba na Espanha).

Para Altieri, a Agroecologia é a ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. A Agroecologia proporciona, então, as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura “sustentável” nas suas diversas manifestações e/ou denominações (ALTIERI, 2001). Já para Stephen R. Gliessman “o enfoque agroecológico corresponde à aplicação dos conceitos e princípios da Ecologia no manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis” (GLIESSMAN, 2001). Para Guzmán, a definição agroecológica de sustentabilidade implica um manejo dos recursos naturais que seja, ao mesmo tempo, ecologicamente sadio, economicamente viável, socialmente justo, culturalmente adaptável e socioculturalmente humanizado (SEVILLA GUZMÁN, 1995).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A quem interessa esta proposta agroecológica para o desenvolvimento rural sustentável, que valoriza o respeito e a proteção ao ambiente? Interessaria aos agricultores e aos consumidores, ao próprio meio ambiente, à sociedade em geral, mas certamente não agradaria a todos aqueles que se beneficiam do sistema econômico vigente.

É urgente a adoção de um enfoque global da agricultura e do desenvolvimento rural, no qual a interação entre os seres humanos e a terra, ou entre a sociedade e a natureza, não seja tratada apenas como uma questão econômica, cuja eficiência deriva da manipulação físico-química e do aporte de capital, mas sim como um processo complexo que pressupõe a compreensão do funcionamento dos ecossistemas e a preocupação com a justiça na repartição de seus produtos.

A Agroecologia é considerada uma disciplina cientifica que transcende os limites da própria ciência ao pretender incorporar questões não tratadas pela ciência clássica (relações sociais de produção, equidade, segurança alimentar, qualidade de vida, sustentabilidade). Ao mesmo tempo, configura-se dentro dos referenciais teóricos da Economia Ecológica, incorporando o meio ambiente em suas variáveis produtivas e valorizando os serviços ecossistêmicos prestados pela natureza.

Algumas conclusões de caráter geral podem ser extraídas a partir dessa exposição. Uma nova forma de desenvolvimento rural, que privilegie a proteção ambiental é perfeitamente factível. Para tanto, cabe à sociedade e aos governos, se estão verdadeiramente inclinados à busca do desenvolvimento sustentável, assegurar melhor qualidade de vida para as populações. Uma das metas a ser perseguida é a construção de estilos de agricultura sustentável, o que exige romper com o modelo convencional e montar estratégias capazes de assegurar um processo de transição para uma agricultura de base ecológica. À medida que o processo de transição ecológica avança, o relacionamento mais harmonioso com a natureza permite a produção de alimentos sadios e de melhor qualidade biológica. Ademais, a agricultura, para ser sustentável, não pode ser causadora de êxodo rural, assim como não pode ser responsável pela contaminação do ar, do solo e das águas. Também não pode ser geradora de externalidades incontroláveis que afetam negativamente a saúde de homens e animais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTIERI, M. Agroecologia: A dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3 ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. 110 p.
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. 652 p.
MANGABEIRA, J. A. de C.; ROMEIRO, A. R. Agroecologia na perspectiva da Economia Ecológica: contribuições para a promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável. ANAIS – VIl Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica”. Fortaleza, 28 a 30 de novembro de 2007.
ROMEIRO, A. R. Economia ou Economia Política da Sustentabilidade? Textos para Discussão. Campinas: IE/UNICAMP, número 120, set. 28 p. (2001)
SEVILLA GUZMÁN, E, El marco teórico de la agroecologia. In. Materiales de Trabajo del Ciclo de Cursos y Seminarios sobre Agroecologia y Desarrollo em América Latina y Europa. Modolo I- Agroecologia y Conocimento Local (La Rábida, 16 a 20 de enero de 1995). Huelva, La Rábina: Universidad Internacional de Andalucia, 1995.

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