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quinta-feira, 28 março, 2024

EM DEFESA DE GEDDEL: TECNICAMENTE INOCENTE

José Ribamar Bessa Freire
O ex-ministro Geddel Vieira (PMDB vixe vixe), preso na sexta-feira (8) por guardar malas no valor de mais de 51 milhões de reais, será solto outra vez – aguardem – porque tecnicamente é inocente. Vejam bem: estou enfatizando o “tecnicamente”, coisa que os leigos famintos de justiça não entendem, porque desconhecem as leis e o latinorum. Ignoram que as decisões de um magistrado são sempre amparadas em “critérios técnicos”, como já esclareceu Gilmar Mendes, o mais “técnico” de todos os juízes.
“Sujeitos da esquina” ansiosos por justiça costumam esquecer aspectos “técnicos”, como no caso do cara que ejaculou no pescoço de uma passageira dentro do ônibus na Avenida Paulista e que tinha registros de 17 antecedentes de agressão sexual. O juiz José Eugênio Souza bem que queria mantê-lo preso, mas – puxa vida! – foi obrigado a soltá-lo, conforme declarou, por causa dos tais “critérios técnicos”, já que o punheteiro não usou de violência para constranger a vítima. E aí a regra é clara, Arnaldo. A porra foi pacífica e deixou intacto o judiciário, porque não foi sobre a filha do juiz, que aliás não anda de ônibus.
Quem continua preso, por ser tecnicamente considerado violento, é o catador de material de reciclagem, Rafael Braga, jovem, negro e pobre, que durante as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, em 2013, portava uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária destinadas, segundo a polícia, à fabricação de coquetel molotov. Por isso, foi penalizado com 5 anos e 10 meses de reclusão. Recorreu alegando que garrafa de plástico não explode. Foi, então, acusado de tráfico de drogas e condenado a 11 anos de prisão. Tecnicamente sem apelação.
Percevejo de Gabinete
Já o pecuarista e cacauicultor Geddel Vieira, ex-ministro de Michel Temer que o havia indicado para ser ministro de Lula, jamais empregou violência. Usou sempre métodos suaves e pacíficos. Foi assim no escândalo dos “anões do orçamento” descoberto em 1993, quando criou entidades sociais fantasmas para embolsar verbas públicas com outros colegas parlamentares, o que levou o ex-presidente Itamar Franco a apelidá-lo de “percevejo de gabinete”, inseto que chupa o sangue humano. Na época, conseguiu se safar da prisão graças às “normas técnicas” do Direito Penal.
No entanto, em julho último foi preso depois de delatado pelo doleiro Lúcio Funaro. Ficou apenas uma semana no Presídio da Papuda, de onde saiu graças a habeas corpus “técnico” concedido por três desembargadores do Tribunal Regional Federal que consideraram a prisão desproporcional, “um canhão para matar um mosquito”, segundo Ney Bello, relator do caso, para quem “não houve ofensa, agressão, coação, cooptação, proposta indecorosa, financeira ou moral” nas conversas de Geddel com a mulher do doleiro Lúcio Funaro. A prisão domiciliar decretada foi uma decisão “técnica”.
De lá pra cá, Geddel ficou em casa sem monitoramento por falta de tornozeleira eletrônica. Não foi preciso. Imagina! Ele nunca usou garrafas, nem mesmo de plástico, para fabricar explosivos. Comportou-se sempre como um comendador que recebeu medalhas das três armas e do judiciário: Grande Chanceler da Ordem de Cristo, da Ordem do Mérito Aeronáutico, do Rio Branco, do Mérito Judiciário do Trabalho, do Mérito Militar, do Mérito Naval. É bom lembrar que ao contrário de Rafael Braga, Geddel está todo emedalhado por instituições respeitáveis. Tecnicamente, isso pesa.
Conversa de bêbado
No entanto, a Polícia Federal acaba de encontrar R$ 42,6 milhões e US$ 2,7 milhões num apartamento em Salvador cedido a Geddel, com suas impressões digitais nas cédulas. Desconfiaram que ele planejava se pirulitar do Brasil. O Ministério Público (MPF) no pedido dessa segunda prisão preventiva, alegou que o peemedebista é um “criminoso em série” que construiu sua carreira com crimes financeiros contra a Administração Pública. Uma busca foi feita no apartamento da mãe de Geddel que já deu uma dica para alimentar os “critérios técnicos” do Judiciário:
– Meu filho não é bandido, ele é doente.
Ou seja, a voracidade de Geddel por grana é uma doença que requer cuidados clínicos e não encarceramento em presídio, como o caso do médico Roger Abdelmassih, que violentava sexualmente suas pacientes e teve habeas-corpus concedido por Gilmar Mendes, em decisão “estritamente técnica” uma vez que o médico, por estar com seu registro cassado, “não representava mais perigo”, o que não é o caso de Rafael Braga. Assim, Geddel é inocente, com uma atenuante: no pedido da prisão escreveram Gedel (com um “d). Tecnicamente, o criminoso é Gedel e não Geddel. É o primeiro que a Polícia deve prender, o segundo deve ser solto. A Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) precisa ser respeitada, do contrário vale tudo.
Aliás, argumentação semelhante está sendo usada por Michel Temer, Rocha Loures e Aécio Neves para desqualificar as malas de dinheiro filmadas e a conversa gravada no porão do Palácio do Jaburu. Eles invocam a mencionada Lei 12.850/2013 que atribui exclusivamente aos agentes do Estado a função investigativa. Ora, Loures, Aécio e Temer foram filmados e gravados pela Polícia sem a autorização prévia do STF, o que configura a obtenção de prova ilícita.
Temer foi gravado por Joesley, “o que solapa o princípio da não autoincriminação” como argumentou um doutor em processo penal. Temer pode peidar – ele peidou,  pode fazer barulho – fez um estrondo, pode feder – fedeu muito, mas se a flatulência foi induzida por feijoada com cebola oferecida por Joesley, técnicamente não houve peido. A Lei 12.850/2013 é clara. Além disso, tecnicamente, tais provas não tem valor, já que o próprio Joesley Batista admitiu que ninguém pode acreditar na gravação entre ele e Ricardo Saud, porque se trata de uma “conversa de bêbados” e, tecnicamente, como todo mundo sabe, conversa de bêbado não tem dono. O importante não são as provas, não é o julgamento e a prisão dos criminosos, mas o respeito à lei que deve ser preservada a qualquer custo
Os “sujeitos da esquina” desconfiam dos tais “critérios técnicos” que são invocados mormente (mormente é ótimo!) quando se trata de proteger bandidos de colarinho branco ou machões estupradores. Parece que quem está obstruindo a justiça é justamente o “critério técnico”, que já salvou da prisão até o afilhado de casamento de Gilmar Mendes. Dizer que “o juiz agiu tecnicamente” quase sempre significa que se usou a “tecnicalidade” para cometer uma injustiça.
VER TAMBÉM: GILMAR MENDES ARROSTA OS SUJEITOS DA ESQUINA – http://www.taquiprati.com.br/cronica/20-gilmar-mendes-arrosta-os-sujeitos-da-esquina

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