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sexta-feira, 29 março, 2024

Estrangulamento total: O admirável mundo novo da banca

Pedro Augusto Pinho*
A banca, designação que dou ao sistema financeiro internacional que se apossou do poder, a partir dos anos 1990, em grande parte do mundo, não é uma construção meramente financeira ou econômica.
Ela verificou, no interregno de seu domínio, aproximadamente da I Grande Guerra até os anos 1960, que os poderes militares e econômicos, usados com êxito no século XIX, não eram mais suficientes para manter a ampla conquista que teve com o Império Britânico.
Na verdade, aprendeu com os próprios militares estadunidenses, o que a Escola Superior de Guerra, do Brasil, definiria como expressões do poder, pois este, embora uno, se apresenta sob expressões: militar, política, econômica, científica e tecnológica e psicossocial. É o estudo denominado cratológico, do grego krátos(força, poder) e lógos (ciência, conhecimento).
Vamos mostrar, em poucas palavras, como a banca construiu sua atuação, a partir do pós guerra, 1945, até o amplo domínio que apresenta hoje.
A aliança econômica-militar era, então, a principal estratégia da banca. Com ela promoveu os diversos golpes que infelicitaram, desde o século passado, nosso Continente Latinoamericano. Mas, como é óbvio, o domínio econômico-militar leva inexoravelmente ao político.
Há um caso notável nos anos !950 no Irã. Mohamed Mossadegh, político nacionalista, conseguiu, por quase unânimidade do Congresso, a nacionalização do petróleo iraniano que pertencia à empresa britânica Anglo-Persian Oil Company. Assumindo o governo britânico, Churchill (1951) procurou, sem sucesso, retomar o controle, principalmente da refinaria de Abadan, a maior do mundo à época. O insucesso deveu-se, entre outras razões, pela negativa de apoio do Presidente Harry Truman. Em 1953 toma posse Dwight Eisenhower, também sem interesse no envolvimento em um caso britânico e iraniano. Mas, nos subterrâneos do poder, começam a agir os irmãos Dulles (John Foster e Allen). O argumento, naquele estágio da guerra fria, foi irresistível para o “Estado Profundo” dos Estados Unidos da América (EUA): o perigo comunista num país de fronteira com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Assim, a Agência Central de Informações (CIA) desencadeia o golpe que destituirá Mossadegh. O passo a passo deste golpe, narrado por seu principal agente, Kermit Roosevelt, neto do Presidente Teodore Roosevelt, é uma verdadeira aula da ação estrangeira, como fazia e faz a banca. Esta narrativa está em “Todos os Homens do Xá”, de Stephen Kinzer (Bertrand Brasil, RJ, 2004).
Mas isto foi se mostrando insuficiente e a banca passou ao domínio das demais expressões do poder. A sujeição das comunicações de massa foi uma triunfante conquista que tem lhe rendido grandes triunfos, como a eleição de Emmanuel Macron, este ano, na França. Você lendo as revistas Isto É, Veja, Exame e similares, está lendo, com as diferenças de estilo e cultura de seus redatores, os mesmos conteúdos de The Economist, Business Week ou da edição catalã de La Vanguardia.
A banca invade a academia. Não bastassem as manifestações de estudantes e professores, em Nova Iorque e Londres, contra a engenharia financeira que passou a dominar o ensino de economia, o documentário “Trabalho Interno” (Inside Job), de Charles Ferguson (2010), demonstra, com nome e instituições, como a banca “compra o saber universitário”. E você, sem estar informado, confiante nos títulos acadêmicos, é usurpado em seu dinheiro e sua consciência.
Meu caro leitor pode, repetindo estribilho da banca, imaginar que está diante de uma teoria conspiratória ou de ato paranoico. Mas o genial na ação da banca foi a constituição de “grupos de estudo e de trabalho” multidisciplinares, com suporte teórico da teoria de sistemas gerais, para dar consistência e divulgação ao que interessava à banca e, mesmo, orientar suas ações.
Dou alguns exemplos. Sociedade Mont Pèlerin, das mais antigas, fundada em 1947, na localidade suíça de mesmo nome, dedicando-se à difusão da ideologia do mercado e do liberalismo econômico. Foram seus membros: Friedrich Hayek, Bertrand de Jouvenal, Karl Popper, Ludwig von Mises e Milton Friedman. Também os brasileiros José Osvaldo de Meira Pena (diplomata), André Burger, Paulo Ayres e Cândido Prunes (advogados) entre outros.
O Clube Bilderberg, criado em 1954 pela CIA e o Serviço Secreto Britânico (MI6), objetivava apoiar a Aliança Atlântica, sensibilizando a sociedade civil contra o “perigo comunista”. Este ano, 130 participantes reuniram-se em Virgínia (EUA) com uma pauta polêmica em função da eleição de Donald Trump. O escritor e analista Thierry Meyssan, em seu Réseau Voltaire, de 06/06/2017, reportou criticamente esta reunião. Das reuniões do Clube saem as diretrizes que vão nortear as ações de órgãos financeiros internacionais e de espionagem e militares dos EUA e Reino Unido (UK) além das manchetes de toda grande imprensa ocidental.
Há também, sob inspiração da banca, reuniões abertas como a do Fórum Econômico Mundial. Mas aquelas que trabalham na expressão psicossocial ainda são pouco conhecidas, embora muito eficazes. Você comprova isso quando vê um intelectual, qualificado como de esquerda, defender projetos da banca, sem que esteja recebendo suborno. Os internacionalistas pacifistas e muitos ambientalistas se enquadram nesta categoria.
E, vamos ainda um pouco mais longe. O objetivo atual da banca é de um mundo de Adam Smith: de um lado as nações prósperas e civilizadas, de outro as nações selvagens. Como ocorre nas tragédias ficcionais, os selvagens alimentam os civilizados. Das primeiras investidas publicadas da banca, em 1972, em um de seus organismos – o Clube de Roma, foi a edição dos “Limites do Crescimento”, onde projetando aumento da população e escassez dos bens finitos, o relatório concluía pela estagnação ou redução do consumo. Hoje fala-se numa população terrestre na ordem de 500 milhões de pessoas, certamente e majoritariamente nas nações selvagens, produzindo e transferindo, aos menores custos, para as civilizadas os recursos naturais e os produtos necessários ao bem estar dos prósperos.
Observe, caro leitor, este trecho do ensaísta e escritor Jair Ferreira dos Santos (O que é pós-moderno, Editora Brasiliense, SP, 24ª reimpressão, 2006):
“A sensação é de irrealidade, com vazio e confusão. Só se fala em desencanto, desordem, descrença, deserto. É como se a lógica e a imaginação humana falhassem ao representar a realidade, e alguma coisa estivesse se esvaziando, zerando.
Des – referencialização    do Real
Des – materialização        da Economia
Des – estetização             da Arte
Des – construção              da Filosofia
Des – politização              da Sociedade
Des – substancialização   do Sujeito”
A banca vai nos levando, com seus competentes, venais e antihumanos adeptos e assalariados, a um mundo como, em 1931, anteviu Aldous Huxley: uma escravidão alienada, entorpecida e apática. E, com as abundantes citações de Shakespeare, que percorrem todo Admirável Mundo Novo, também uma abre o romance, de A Tempestade, ato V:
“Ó Admirável Mundo Novo
Que possui gente assim!”
Completaria, sem Estados, nacionalidades, sem o passaporte que causava orgulho a Vladimir Maiakovski.
Mas, nacionalista que sou, prefiro colocar esta desdita, que a banca impõe a nós brasileirios, com o pior governo que conheci em vida e nas páginas de nossa história, na opção que João Cabral de Melo Neto escreve em “Morte e Vida Severina”:
“Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.”
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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