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quinta-feira, 28 março, 2024

Líder indígena Davi Kopenawa denuncia governo Bolsonaro na ONU

“[O governo] trata a terra e os índios como mercadoria”, diz o líder indígena Davi Kopenawa
Em Genebra, líder ianomâmi e organizações apresentam denúncia contra o presidente por violações dos direitos dos povos indígenas, sobretudo os isolados. “Bolsonaro quer acabar conosco, mas lutando vamos viver.”
“O presidente [Jair] Bolsonaro quer acabar com os povos indígenas no Brasil. [O governo] trata a terra e a nós como mercadoria”, afirmou o líder indígena Davi Kopenawa, porta-voz dos ianomâmis, ao apresentar uma denúncia à ONU contra o governo Bolsonaro por violações dos direitos dos povos indígenas isolados no Brasil. “Ele [o presidente] não gosta de índio e não gosta de mim”, complementou.
A denúncia foi apresentada nesta terça-feira (03/03) durante a 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, que decorre até 20 de março. O relatório submetido às Nações Unidas foi elaborado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e detalha como as ações adotadas pelo governo desde o início de 2019 têm elevado o risco de genocídio e etnocídio dos povos indígenas isolados do Brasil.
“Dos 115 povos indígenas isolados do país, 28 já foram reconhecidos pela Funai [Fundação Nacional do Índio]. Outros aguardam o processo administrativo de qualificação, mas esses processos estão praticamente paralisados”, explica o pesquisador do ISA Antonio Oviedo, que denuncia o que chama de desmonte dos órgãos de proteção dos povos indígenas no país.
Durante a sessão do órgão das Nações Unidas, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, incluiu o Brasil na lista de países que provocam preocupações sobre direitos humanos devido a “retrocessos significativos de políticas de proteção do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas”.
Em reação, a embaixadora do Brasil nas Nações Unidas, Maria Nazareth Farani Azevedo, afirmou que é preciso “corrigir falácias” e lamentou que Bachelet seja “tão mal aconselhada” sobre a situação dos direitos ambientais e dos povos indígenas no Brasil. “Dos dez maiores países do mundo, o Brasil faz o máximo para preservar o meio ambiente dentro de suas fronteiras”, disse.
Em entrevista exclusiva à DW em Genebra, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, discordou que as políticas do governo violam os direitos dos povos indígenas e ainda defendeu o projeto de lei que permite a mineração em terras indígenas, apresentado por Bolsonaro ao Congresso Nacional. “Se o Congresso decidir que haverá mineração legal em áreas indígenas, ela vai acontecer e vai ter critérios, parâmetros e regramento. O garimpo ilegal no Brasil acabou”, afirmou.
Por outro lado, a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, e a consultora Andrea Carvalho argumentam que a exploração comercial de recursos naturais em territórios indígenas pode estimular mais invasões e desmatamento.
“Em vez de garantir o cumprimento da lei, fortalecer as agências federais, responsabilizar as redes criminosas e proteger os guardiões das florestas, o governo quer responder à mineração ilegal simplesmente legalizando-a”, criticam as duas no artigo intitulado “A proposta de Bolsonaro para legalizar crimes contra povos indígenas”.
A denúncia apresentada nas Nações Unidas nesta terça-feira destaca ações inconstitucionais praticadas pelo governo brasileiro contra os povos indígenas, bem como critica a mineração em terras protegidas e o desmonte dos órgãos de regulamentação, como a Funai.
Mineração em terras indígenas
Em entrevista à DW, o líder indígena Davi Kopenawa afirmou que o principal problema dos ianomâmis em Roraima é o avanço dos garimpeiros. A atividade de mineração tem poluído rios importantes, como o Uraricoera e o Mucajaí.
“Os garimpos estão por toda a parte. A nossa preocupação é com doenças como malária, tuberculose e câncer. Estamos tomando água envenenada com mercúrio”, denuncia. “Não queremos a entrada da mineração nas terras ianomâmis. Isso só vai trazer problemas, brigas, doenças e poluição. Vai acabar com as nossas casas e com os nossos peixes. Não vai trazer nenhum benefício.”
Antonio Oviedo, do ISA, questiona o interesse de Bolsonaro em permitir a mineração em territórios protegidos, levando em consideração que apenas 2% dos requerimentos de mineração no Brasil estão localizados em terras indígenas.
“Por que o governo quer iniciar a regulamentação de uma atividade a partir da sua exceção? O governo não tem uma proposta nacional para o setor e quer começar a legislar pela exceção dentro dos territórios indígenas, ferindo todas as normativas constitucionais”, critica.
Davi Kopenawa, que ganhou o Prêmio Right Livelihood, também conhecido como “Nobel Alternativo”, ao lado de Greta Thunberg em 2019, relata ameaças de morte contra ele e sua família feitas por garimpeiros na região. “Eu os denuncio, e eles me perseguem”, conta, “mas eu continuo lutando.”
“Legalizar o garimpo é predatório”
Para Laura Greenhalgh, diretora-executiva da Comissão Arns, organização de defesa e monitoramento dos direitos humanos no Brasil, o governo usa uma “carga muito alta de desinformação como estratégia política” para justificar tais violações ambientais e contra indígenas.
“Existem terras homologadas, demarcadas e protegidas de qualquer atividade dessa natureza. Dizem que vão legalizar o garimpo como se isso não fosse predatório, o que é um total absurdo”, afirma.
Greenhalgh também critica a determinação de Bolsonaro em não demarcar “nenhum centímetro a mais de terras indígenas” no Brasil. “Cabe à União a demarcação e a proteção das terras indígenas. Existem dezenas de processos demarcatórios suspensos. Quando o governo diz que não vai demarcar mais nada, está infringindo as leis brasileiras”, argumenta.
A diretora-executiva da Comissão Arns também defende o princípio constitucional de autodeterminação dos povos indígenas. “Os índios têm o direito de viver como querem e não como a ministra [Damares Alves] ou o presidente pensam que eles deveriam viver”, diz.
No ano passado, a Comissão Arns apresentou uma petição ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, solicitando a investigação de ações do presidente Bolsonaro desde a posse, no início de 2019. “A visão e as práticas do governo colocam em risco a sobrevivência desses povos. Por isso, na petição, falamos em risco de genocídio e etnocídio para que Bolsonaro seja eventualmente responsabilizado por ação criminal contra esses povos”, explica.
Desmonte dos órgãos de regulamentação
A denúncia levada à ONU também enumera ações do governo para fragilizar órgãos que têm responsabilidade na garantia e proteção dos direitos dos povos indígenas, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – com o desmantelamento das atividades de fiscalização –, e a Funai.
“O presidente e o ministro [do Meio Ambiente, Ricardo Salles] dão uma mensagem muito clara aos desmatadores, garimpeiros, grileiros e invasores de que o governo está do lado deles, de que as terras indígenas e os índios representam uma limitação para o desenvolvimento do país”, observa o pesquisador Oviedo, do ISA.
Segundo ele, a Funai é o órgão mais fragilizado, com cortes expressivos no orçamento. Oviedo lembra que o novo diretor da fundação, Marcelo Augusto Xavier, ligado à Polícia Federal, defendeu no passado processos contra os povos indígenas.
“Quando há uma decisão negativa sobre a demarcação de uma terra indígena, ele vai no Twitter para comemorar que essas terras não lograram os seus objetivos”, afirma.
A nomeação recente do ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias como chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai é também criticada. “Ele tem um histórico de contatos forçados com outras etnias, que resultaram em violência contra indígenas. O discurso dessa diretoria é que precisam contatar esses índios, ensinar a língua portuguesa e inseri-los na sociedade brasileira. É um completo absurdo. Foi criada uma ‘anti-Funai'”, lamenta Oviedo.
Davi Kopenawa afirma ter “medo dos missionários”. “Eles entram nas nossas comunidades sem consulta com as lideranças das aldeias. Eles carregam doenças. Nós não precisamos aprender a virar um homem branco. Não há interesse. Só queremos falar português para poder defender os direitos do meu povo. Esse homem [Bolsonaro] é doido”, diz o líder dos ianomâmis. “Lutando vamos viver. Sem a luta, vamos viver calados.”
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