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quinta-feira, 28 março, 2024

Movimentos denunciam responsabilidade criminal da Vale na tragédia de Mariana

 Marcela Belchior
Adital

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denuncia a “negligência total” por parte das empresas responsáveis pelas barragens que se romperam e liberaram uma enxurrada de lama, destruindo várias comunidades do Município de Mariana, Estado Minas Gerais, sudeste brasileiro, na última semana. De acordo com o MAB, há vários anos a população vinha alertando para os riscos das barragens, mas as empresas continuavam normalmente suas atividades, sem tomarem quaisquer medidas de segurança e orientação sobre os perigos da estrutura.

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Moradores locais apontam distrito submerso em lama, após rompimento de barragem. Foto: Douglas Resende e Rafael Lage.

“O MAB denuncia que as empresas Vale e BHP são as responsáveis pelo rompimento. (…) Não havia nenhum mecanismo de aviso e socorro à população, como exigido em lei. Todo o processo de socorro aos desabrigados está sendo feito pela Prefeitura de Mariana. A negligência das empresas é total”, denuncia o Movimento. “A mineração deve estar a serviço da soberania popular e não dos desmandos e barbaridades cometidas por empresas como a Vale, que têm no desrespeito às populações e aos trabalhadores a sua marca registrada”, assevera o MAB.

No último dia 05 de novembro, a barragem do Fundão, propriedade da Samarco Mineração, em Mariana, rompeu. AUma enxurrada de lama atingiu outra barragem de rejeitos da mineradora, a de Santarém, que também se rompeu, despejando todo seu conteúdo no distrito de Bento Rodrigues, localizado a 15 quilômetros do Centro de Mariana, resultando em 90% de suas casas destruídas.

A Samarco Mineração é de propriedade da Vale (50%) e da multinacional anglo-australiana BHP Billiton (50%). “No ano de 2014, a Samarco obteve um lucro líquido de 2,8 bilhões de reais. A Vale obteve, de abril a junho de 2015, um lucro líquido de 5,14 bilhões de reais, enquanto a BHP obteve 6,42 bilhões de dólares até junho de 2015. Portanto, estamos falando de algumas das maiores empresas do mundo”, aponta o MAB. “Mesmo com todo esse lucro, essas mineradoras se negaram a investirem o mínimo em segurança necessária para evitar uma catástrofe de tamanha magnitude”.

Nesta segunda-feira, 09, em coletiva de imprensa, Joceli Andrioli, membro da coordenação nacional do MAB, disse que o Movimento possui documentos com indícios de vazamentos na barragem rompida. Segundo ele, o MAB deve contestar a tese defendida pela empresa de que um abalo sísmico teria provocado a tragédia. “Os documentos, já em mãos do Ministério Público, têm todo o processo de licenciamento ambiental anterior da obra, que já constatava área de risco. Os documentos têm indícios de vazamentos em mais de 100 locais”, afirma Andrioli.

De acordo com o MAB, ainda em 2013, o Ministério Público Estadual (MPE) de Minas Gerais divulgou um estudo que aponta que fragilidades na barragem poderiam levar ao seu colapso. Por isso mesmo, na época, o MPE demandou à Samarco a construção de um plano de emergência e de alerta. “Plano este que nunca foi feito. Vários atingidos de Bento Rodrigues relataram que há anos a comunidade vinha fazendo denúncias sobre a insegurança das barragens”, observa o MAB.

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Casas, escolas, rede elétrica e estradas foram destruídas pela avalanche de lama. Foto: Douglas Resende e Rafael Lage.

A avalanche de lama atingiu o Município de Mariana (afetando os distritos Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Santa Rita, Campinas, Ponte do Grama e Pedras), Barra Longa (e seu distrito Gesteira), Acaiaca (e seu distrito Goiabeira) e Rio Doce, até o momento. Casas, escolas, a rede elétrica e estradas foram destruídas. A lama também comprometeu a captação de água de várias localidades. A Usina de Candonga, localizada no Município de Rio Doce, a 100 quilômetros de Mariana, paralisou a geração de energia.

Pelo menos quatro cursos de água foram atingidos pelo rejeito proveniente da barragem de mineração de ferro: córrego Fundão, rio Gualaxo do Norte, rio Carmo e rio Doce. Foram despejados 62 milhões de toneladas de rejeito de minério de ferro, contaminados com arsênio, chumbo, mercúrio, entre outros venenos, que atingiram o rio do Carmo e continua avançando pelo rio Doce em direção ao oceano. Pessoas que tiveram contato com a lama relatam sentir mal-estar, apresentando sintomas de intoxicação, como tonturas, náuseas, dor de cabeça e confusão mental.

As estimativas das autoridades são de mais de 2 mil atingidos, sendo três mortos, mas os números de vítimas ainda são incertos e controversos. Neste total apontado não estão incluídos todos os municípios que terão o abastecimento de água comprometido, rio contaminado e mortes de animais, por exemplo.

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Tartaruga morta submersa pela lama da barragem da Samarco. Foto: Reprodução.

Segundo a Samarco, as causas do rompimento das barragens ainda são desconhecidas. Mas, para o MAB, a divulgação sistemática dessa informação parece uma estratégia da empresa para se eximir das responsabilidades. “A empresa é responsável pela construção, manutenção e garantia de que a obra opere corretamente e em segurança. Portanto, qualquer ocorrido é de responsabilidade da mineradora”, avalia o Movimento. O Ministério Público de Minas Gerais já designou cinco promotores para investigarem as causas e responsabilidade pelo desastre.

O MAB aponta que é preciso fazer um planejamento de como serão garantidos os direitos das famílias atingidas, diretas e indiretamente, construindo uma pauta comum de reivindicação e medindo corretamente os impactos da calamidade. Também cobra da empresa respostas sobre o que será feito com relação aos impactos nas cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, que são banhadas pelo rio Doce, sobretudo, as que tiram água diretamente do rio para o abastecimento.

“Grandes cidades, como Governador Valadares, já anunciaram que irão interromper completamente a captação para a toda a cidade. Isto é um desastre social e queremos saber como a empresa pretende se responsabilizar por isto”, cobra Alex Sandra Maranho, membro da coordenação do MAB. “Essa tragédia não pode terminar como as outras em que a Vale abandonou as populações,” conclui o ativista.

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Cavalo atolado em lama é resgatado por equipe de bombeiros. Como ele haviam vacas, cachorros, porcos, entre outros animais. Foto: Reprodução.

Em nota, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale classifica a tragédia como um “crime”. “Os órgãos fiscalizadores e as empresas têm total responsabilidade sobre a tragédia ocorrida. A quantidade de rejeitos prova que as empresas tinham ultrapassado, e muito, a capacidade da barragem”, destaca o movimento.

A Articulação atenta que, atualmente, se discute a aprovação de Novo Código de Mineração para o Brasil, que poderá permitir um avanço ainda maior da mineração em território nacional. Além disso, em Minas Gerais, está para ser votado o Projeto de Lei nº 2.946/2015, de autoria do atual governador Fernando Pimentel (Partido dos Trabalhadores – PT), que reduz o tempo de concessão do licenciamento ambiental no Estado, o que fragiliza ainda mais o licenciamento ambiental em Minas Gerais, e deve beneficiar empreendimentos considerados estratégicos pelo governo, ampliando a insegurança jurídica, os danos ambientais e os conflitos sociais associados a grandes projetos.

“A tragédia de ontem [05 de novembro], mais uma vez, nos alerta para o constante impacto socioambiental da mineração. Esse desastre pede, de forma urgente, um debate público sobre a mineração em grande escala no país e os mecanismos de responsabilização das empresas”, afirma a Articulação. “Exigimos investigação e punição cível, ambiental e criminal das empresas Samarco, Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda, responsabilizando também seus dirigentes, de forma pessoal, além de reparação integral e indenização à população de Bento Rodrigues”, reivindica o movimento.

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Marcela Belchior

É jornalista da Adital. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estuda as relações culturais na América Latina.

E-mail:
marcela@adital.com.br

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