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quinta-feira, 28 março, 2024

Nasce em Havana um novo acordo de paz

O novo texto não contempla a inclusão das diretrizes à norma constitucional, e portanto suas determinações devem respeitar a Constituição de 1991.

Hugo García Segura, para o diário El Espectador
Foram 41 dias de renegociação após a vitória do “Não” no plebiscito de outubro – que buscava referendar o acordo de paz assinado entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) –, entre jornadas de trabalho de mais de 12 horas diárias na última semana, para que as delegações de ambas as partes possam anunciar ao mundo que chegaram a um consenso sobre um novo texto, o qual, segundo os negociadores, inclui os “ajustes e precisões necessárias para estabelecer as bases definitivas de uma paz estável e duradoura”.

O objetivo das partes era criar um documento mais robusto, capaz de suscitar – agora sim – um amplo apoio da cidadania. Por isso, os cimentos deste novo pato de paz estão fundamentados na manutenção da reparação às vítimas como eixo central do processo, além da determinação em respeitar ao máximo a institucionalidade existente na Constituição de 1991.

Uma tarefa nada fácil. Para os guerrilheiros, isso significou ceder em algumas das posturas que mantiveram como condições básicas durante os quatro anos de negociações. Já o governo teve que aceitar uma mesa de diálogos com um terceiro participante, incluindo setores não apenas políticos, mas também religiosos e outros grupos que lideraram a campanha da oposição no plebiscito.

Por isso, logo de cara, o governo e as FARC aceitaram não inclusão do novo texto na norma constitucional, para deixar essa apreciação nas mãos do Congresso, para que este, através de um ato legislativo, se encarregue de inclui-lo na Carta Magna, na forma de um artigo transitório, para indicar que aqueles conteúdos que correspondam a direitos fundamentais ou normas do Direito Internacional Humanitário serão obrigatoriamente parâmetros de interpretação, determinantes para o desenvolvimento e validez das normas e leis de implementação do pacto. De qualquer forma, se prevê que será anexado sob a categoria de “acordo especial”.

O novo texto precisa, explica e aprofunda vários aspectos sobre os quais a oposição – especialmente a corrente liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe – tinha dúvidas e resistências. Por exemplo, as FARC aceitaram colaborar com a reparação material às vítimas com seus próprios recursos, o que se fará conforme os critérios da Corte Constitucional para recursos de guerra.

Segundo a jurisprudência desse alto tribunal, os parâmetros mínimos para a reparação das vítimas por parte de grupos armados ilegais são: todos os membros do grupo colocam a disposição o seu próprio patrimônio para indenizar cada uma das vítimas dos atos violatórios da lei penal pelos quais forem condenados, e também responderão solidariamente pelos danos ocasionados às vítimas por outros membros do grupo armado específico ao qual pertenceram, e deverão entregar tanto os bens obtidos ilicitamente quanto os conquistados licitamente. Ou seja, os ex-guerrilheiros devem estar dispostos a oferecer todo o seu patrimônio, independente da origem que tenha, sem interpor exceções de nenhuma natureza.

Outros temas de preocupação para os setores oposicionistas têm a ver com a restrição efetiva da liberdade, a conexão entre o narcotráfico e os crimes políticos e a aplicação da justiça transicional. Sobre o primeiro ponto, se estabelecem agora detalhes importante, como determinar os espaços territoriais onde ficarão os sancionados durante a execução da pena correspondente. Isto significa que as FARC aceitam a restrição efetiva de mobilidade, porém dentro de sítios especiais, como colônias agrícolas – algo que chegou a ser planteado pelo uribismo.

Com relação ao narcotráfico, a ideia é se ater aos critérios da jurisprudência interna colombiana, a qual, entre outras coisas, diz que o delito não político cuja justificativa esteja ligada à luta subversiva poderá ser considerado como crime relacionado.

Já sobre a criação de uma Jurisdição Especial para a Paz, o novo acordo fala do respeito ao devido processo, ao princípio de imparcialidade, à garantia do princípio de contradição na avaliação das provas e à existência de mais de uma instância.

Um ponto no qual o governo e a guerrilha se preocuparam especialmente em esclarecer foi o que estabelece que a aplicação dessa justiça transicional para os membros das Forças Armadas e policiais deve partir do reconhecimento de que o Estado tem como fim essencial proteger e garantir os direitos de todos os cidadãos, e tem a obrigação de contribuir com o fortalecimento de todas as instituições.

Em outras palavras, o novo texto se acomoda a um dos reparos mais insistentes do grupo del Álvaro Uribe, que alegava que o acordo de paz anterior colocava policiais, e soldados no mesmo patamar dos guerrilheiros.

Outro esclarecimento importante do novo acordo foi que as FARC se comprometem a contribuir de maneira efetiva com a solução ao problema das drogas ilícitas, não só pondo fim à sua relação com as mesmas como também entregando informação detalhada para que o Estado possa atribuir responsabilidades e encontrar formas de garantir os direitos das vítimas à reparação e não repetição.

Por certo, embora a guerrilha tenha mantido postura contrária à medida de fumigar os cultivos ilícitos para sua eliminação, o governo se impôs nesse ponto, pois o novo texto estabelece que o Estado não renunciará aos trabalhos de erradicação. Assim, as partes concordaram em incluir um tratamento penal diferenciado para os pequenos cultivadores (como figura transitória) e que, na formalização da propriedade, quem estiver envolvido nesta atividade deverá tomar as medidas necessárias para se desfazer dos cultivos ilícitos em locais sob responsabilidade.

A participação das FARC na política colombiana também foi um tema que angustiou a oposição. As propostas do novo acordo de paz insistirão na ampliação e no aprofundamento da democracia, no fortalecimento da participação cidadã e no surgimento de uma nova força no cenário político.

Porém, as mudanças nesse aspecto tem a ver com as regras de jogo e no equilíbrio entre as forças, já que o uribismo alegava que o acordo inicial favorecia demais as FARC em termos de financiamento, acesso aos meios e inscrição de candidatos. Agora, se estipulou que esse novo movimento político receberá os mesmos recursos que o Estado dá aos partidos com pessoa jurídica (7,14 % do Fundo de Partidos), mais um montante que será dirigido à instituição que servirá como centro de pensamento e difusão da sua plataforma ideológica.

Por outro lado, o novo acordo precisa os tempos para implementar uma reforma rural integral – projetada para 15 anos –, ratifica o direito à propriedade privada, deixa claro quais serão as fontes para o Fundo de Terras – sobretudo no que tem a ver com as possíveis expropriações –, reconhece que o desenvolvimento agrário depende da aliança entre a economia campesina ou da agricultura familiar com a visão empresarial, reitera que não modificará a legislação vigente sobre as zonas de reserva camponesa, e tampouco os critérios e procedimentos para realizar a avaliação cadastral.

No entanto, o texto adverte que como o governo é o responsável pela implementação do acordo, a mesma deverá respeitar a preservação da sustentabilidade das finanças públicas, incluindo um cronograma de prioridades. A pergunta agora volta para os colombianos: estarão a favor do novo acordo? Como reagirá a oposição? A resposta começará a ser dada esta semana.

Tradução: Victor Farinelli

Fonte: Carta Maior

Créditos da foto: reprodução

 

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