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sexta-feira, 29 março, 2024

No Brasil, um estupro à democracia

Mas não é por suas debilidades políticas que os escravocratas do Brasil querem tirar Dilma. É para serem fiéis à cultura de estupro que praticam desde o século 16. Na imagem, Aloysio Nunes (PSDB)Agen cia Sendor
A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Se é negra, jovem e pobre tem mais possibilidades de sofrer uma agressão. Os estudos de Antropologia deram um título a estes dados: cultura de estupro.
Por Martin Granovs
Mas não é por suas debilidades políticas que os escravocratas do Brasil querem tirar Dilma. É para serem fiéis à cultura de estupro que praticam desde o século 16. Na imagem, Aloysio Nunes (PSDB) Depois de assistir a sessão do Senado contra Dilma Rousseff, nesta segunda-feira (29), qualquer um pode substituir a palavra “mulher” por “Constituição” e a palavra “negra” por “democracia” e verá que a teoria pode ser aplicada à política sem forçar nada. Nada.
Os senadores da oposição avançaram um novo capítulo na violação das regras do devido processo. Violaram os direitos políticos de Dilma, que se não houver um milagre perderá a presidência e ficará inabilitada por oito anos para a política. E esmagaram os direitos humanos dos brasileiros: em outubro de 2014 votaram em primeiro se segundo turno por Dilma contra Acécio Neves e lhe deram a vitória. Desde aquela avalanche de 54 milhões de votos até hoje, com um golpe em marcha, passaram menos de dois anos.
“Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e dos pretextos constitucionais para que ganhe aparência de legitimidade o governo que assume sem o amparo das Urnas”, disse Dilma. “Se invoca a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos”.
Não se trata de forma, porque na democracia a forma é questão de fundo. Uma constelação integrada pela grande banca internacional, os gigantes das empresas brasileiras, uma parte da Justiça, os megameios, todos os parlamentares do PSDB e a maioria dos legisladores do PMDB trata de construir aparências para violar a Constituição.
O Brasil não vive sob um regime parlamentarista. Mas o Congresso censura a presidenta que tem mandato até dia 31 de dezembro de 2018.
Os deputados devem fundamentar suas acusações contra Dilma como acontece em qualquer processo. Mas um deles justificou sua acusação honrando o oficial que torturou a presidenta quando era guerrilheira e outros dedicaram seus votos às mães e aos filhos.
Tal como denunciaram quatro congressistas diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, restringiram até o tempo das testemunhas de Dilma. Ou seja, o direito à defesa. Quando foi notificado de que a petição havia chegado à CIDH, o chanceler José Serra disse: “são uns brutos, dirijam-se ao Senado”. Em política internacional a representação é assumida pelo Poder Executivo, não pelo Congresso. Um resumo e o texto completo da petição pode ser lido aqui. Para brutalidades sobre este tema, ou sobre a presidência pró-tempore do Mercosul, consultar Serra.
No Senado, vários senadores criticaram o desempenho de Dilma no governo. Mas num julgamento político os senadores são juízes, não parlamentares em meio a uma intervenção. Os juízes perguntam e depois sentenciam, não respondem.
O presidente da Corte Suprema, Ricardo Lewandowski, encarregado de dirigir as sessões do Senado, deixou alegremente que os senadores se esquivassem de seu papel de juízes. Mas corrigiu Dilma: “lhe peço que não fala mais nada sobre o governo interino”, depois que ela fez menções sobre o “governo usurpador” e “golpista”. “A condenação existe provas cabais de que se tenha cometido, dolosamente, um crime de responsabilidade fiscal”, explicou Dilma. “Sem crime, é golpe”, resumiu.
É equivocado pensar que o julgamento político sem direitos é uma coisa e a política outra. São duas caras da mesma moeda. Para observar o que ocorre no Brasil não precisa de nenhum jornal do futuro. Nenhum jornal de segunda-feira. Como citou a própria Rousseff, Temer já impôs limites de gasto fiscal até 2037 que sequer as políticas sociais poderão perfurar. Seu governo também impulsionou a redução de idade para aposentadoria e a terceirização trabalhista. “Vão precarizar”, anunciou o senador Roberto Requião, um dos poucos do PMDB fieis ao projeto original. “No Brasil não se poderá mais nem nascer, nem trabalhar”.
A Polícia Federal busca prender Lula, o único do PT em condições de competir as eleições presidenciais de 2018. As polícias militares (que no Brasil são as malditas estaduais) lubrificam cada vez mais o gatilho fácil, ou, como ontem [segunda-feira, 29], reprimem manifestantes em São Paulo. O futuro já chegou.
Dilma se enganou de interlocutores. Falou aos senadores, não ao povo. Mas não é por suas debilidades políticas que os escravocratas do Brasil querem tirá-la [da presidência]. É para serem fiéis à cultura de estupro que praticam desde o século 16.
*Martin Granovsky é licenciado em História, colunista do jornal Página 12, apresentador do canal CN23 e coordenador da TV do Clacso (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais)

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