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quinta-feira, 28 março, 2024

O fator memória é fundamental para as próximas eleições no Peru

 

O atual presidente Ollanta Humala e Keiko Fujimori, que segundo o historiador Cristóbal Aljovín, ela deverá ser questionada sobre o tema dos maus tratos às mulheres ou a corrupção do seu pai. 
Adital

Por Marilyn Céspedes

Fotos: Gran Angular

O historiador Cristóbal Aljovín, especialista em Cultura Política no século XIX, realiza uma análise sobre a conjuntura política do Peru, a respeito das próximas eleições, em 2016. Nesta entrevista, ele avalia a importância dos partidos políticos na sociedade peruana e analisa o desempenho dos principais candidatos políticos, como Keiko Fujimori, Alan García e César Acuña. Sua percepção sobre o atual cenário eleitoral é que ainda nos encontramos em um período de instabilidade, porque “tudo pode mudar”. No entanto, destaca o fator da memória como um componente determinante para a orientação que tomará o eleitorado peruano, pois dois dos principais candidatos estão vinculados a processos políticos muito questionados na história do país.

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Para o historiador Cristóbal Aljovín o atual cenário eleitoral é de instabilidade. Crédito: Javier Dueñas

Como poderíamos definir a cultura política do século XXI?

É difícil de definir porque está se definindo constantemente. Eu não acredito que a cultura política do século XIX é mais igualitária; o povo se percebe igual aos outros, embora não exista a igualdade. Por exemplo, se pensamos como as pessoas se percebiam antes do governo de [Juan] Velasco [1968-1975], havia uma ideia mais forte de hierarquia social, como uma hierarquia “natural”, e se voltarmos um pouco atrás era mais forte, e muito mais na época colonial. O que podemos ver, agora, é uma sociedade em que o povo se percebe como igual; é uma sociedade também de massas, o povo está mais desligado de um centro, que pode gerar tanto uma cultura de liberdade como de autoritarismo. Na América Latina, isto, sobretudo, gerou uma forte cultura de autoritarismo, pelo medo da desordem.

Durante o século XIX, existia a ideia de que os partidos políticos eram “maus” para a democracia. Qual percepção você acredita que a sociedade tem, hoje, sobre isto? O aparecimento de agrupamentos políticos sem um coerente plano de trabalho pode significar algo?

Primeiro, o que você disse é verdade para uma boa parte do século XIX, e para outra nem tanto. Nas primeiras décadas do século XIX, o que nós chamamos de republicanismo, logo no início houve uma forte crítica ao “faccionalismo”, que pode se relacionar com os partidos, e que vai se rompendo na segunda metade do século XIX, quando os partidos podiam ser vistos como algo positivo para o sistema político. A ideia não parece tão improvável, se pensarmos que um partido político implica em obediência. Por exemplo, que os deputados no Congresso não foram totalmente independentes, pois dependeram do seu partido. Então, de algum modo, muitos dos grandes teóricos da democracia, no século XIX, percebiam os partidos políticos como destruindo o ethos [padrão de comportamento] democrático, porque os congressistas já não debatiam dentro do Congresso, mas obedeciam a ordens dentro do partido.

Tudo depende de como se olhe; o que é certo é que, no fim do século XX, houve uma forte crise de partidos políticos, não somente no Peru, mas em muitos outros países do mundo, e existe um sério problema de representação. O que as pessoas sentem é que os partidos políticos geram uma falsa representação política; as pessoas se aglutinam aí, não por uma questão ideológica, mas por interesses de serem eleitos no cenário parlamentar. Assim, é paradoxal que, no século XX, a percepção da crise democrática tenha sido a perda da legitimidade dos partidos políticos e, no século XIX, o aparecimento dos partidos políticos gerou um sentimento de decadência do sistema democrático. Pessoalmente, acredito que é terrível a perda de influência dos partidos políticos porque cria uma grande desordem.

Que tipo de eleitorado podemos encontrar em nosso país?

Eu acredito que um eleitorado bastante confuso e oportunista, no sentido de que basta que um candidato lhes lance uma quantidade de promessas que acreditam que os beneficiam, e votam nesses candidatos. Digamos, a dinâmica que se gera não é a mais indicada para refortalecer o sistema democrático.

Ainda se pode falar de uma “geografia eleitoral”? No sentido de que certas regiões do país se encontram politicamente “dominadas”, como o tradicional caso do norte e sua associação com a Para [Aliança Popular Revolucionária Americana]?

Acredito que sim, não por um partido político, mas, sim, por uma paixão política. Por exemplo, se você vir onde se concentram os chamados “senhores antisistemas” ou críticos ao establishment [grupo de poder], vê que é no sul andino. Então, sim, existe um mapa que, muitas vezes, não é tão claro como antes porque, antes, o dono desse mapa era o Partido Aprista no Norte, mas que há uma paixão no sul andino, que pode ir até diferentes posturas políticas. Dessa forma, sim, existe uma geografia política no Peru, está claro. E, por exemplo, também se pensa que, no Peru, os movimentos sociais tenham morrido, o que também é mentira, os movimentos sociais sobrevivem hoje em dia e com muitíssimas forças, em muitas zonas rurais.

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De acordo com Cristóbal Aljovín, a perda de influência dos partidos políticos poderá criar uma grande desordem.

As primeiras eleições do século XIX, por um lado, buscavam legitimar o recente Estado independente e, por outro, os caudilhos, que chegavam ao poder por meio desses processos e terminavam legitimando seus próprios interesses. Esta é uma dinâmica que continua se repetindo até nossos dias, apesar de que existe um maior controle eleitoral e governamental. Esta é uma característica de sociedades que têm um eleitorado pouco informado ou politicamente inativo?

Não acredito que o eleitorado peruano seja pouco informado, eu creio que está bastante bem informado, mas que a dinâmica política cria muita confusão ou más decisões. O que ocorria, no século XIX, era uma concepção de que a política devia representar a nação, o povo, e essa representação devia dar-se por meio das eleições, e gerou, muitas vezes, a legitimidade política do governo, não do Estado. O Estado pode se legitimar por meio de boas políticas de saúde, de educação, por exemplo.

A ideia do “mal menor” se repetiu nas últimas eleições, que, em alguns casos, foi combatida com o aparecimento de um outsider [candidato alheio ao sistema político], mas nunca por uma parte significativa do eleitorado, que decida por um voto nulo ou em branco efetivo. Como pode se explicar esta contradição?

Não me parece raro que o povo vote por um mal menor. As eleições terminam implicando em uma espécie de negociação coletiva, sobre qual tipo de rumo querem que o país tome. O problema é se o mal menor é tomado como um sentimento de muita distância, ou é simplesmente um mal menor em comparação a alguém que pode ter parecido um melhor presidente.

Por que, nas últimas eleições, a diferença de percentagem de votos entre a primeira e a segunda posição foi mínima? A que se deve que não encontremos resultados avassaladores, como o de Alan García, em 1985?

Bom, o comum é que as diferenças sejam pequenas; de 4% ou 5%, o que é um bocado em política. Mais raro é encontrar um candidato que ganhe por um percentual muito maior. Para mim, não parece que isso seja um problema na política. O problema é a pouca legitimidade que o sistema tem, porque todos assumem que os candidatos que chegam ao poder não vão cumprir com o que prometem. Então, aí sim, existe uma coisa grave.

As eleições primárias abertas, realizadas pela Frente Ampla, refletiram uma iniciativa positiva em um setor de esquerda. Qual foi o impacto dessas eleições no cenário político? A esquerda está gerando uma conscientização social que responda a maneiras mais integradoras e democráticas de fazer política?

Não acredito que tenham ganhado tanto nessas eleições primárias. Sei que participou muitíssima gente: 20.000 pessoas. Pode ser que tenham educado um coletivo humano, me parece positivo, mas tampouco creio que isso vai se refletir em uma maior quantidade de votos, pelo menos em um futuro próximo. Muitas vezes, na política, o futuro distante está demasiado longe, que nunca chega. O importante também é, no médio prazo, alcançar alguns comprometidos.

Pode-se dizer que a fragmentação da esquerda foi um problema para chegar ao poder, mas não para exercer influência na contenda política. A esquerda tem alguma possibilidade de êxito nas eleições de 2016?

Primeiro, creio que existem varias esquerdas, como existem várias direitas. Há uma esquerda mais vinculada às províncias, mais vinculada à questão antimineração, aos movimentos sociais. Existem outras esquerdas mais urbanas, mais abertas ao capital. Então, creio que há diferentes esquerdas, como há diferentes direitas e centros. Além disso, acredito que essas diferenças entre esquerda e direita sejam tão fortes, como foram há 30 anos atrás. Que irão bem nas eleições de 2016, momentaneamente duvido, mas também é verdade que, em um processo eleitoral, em que o percentual altíssimo da sociedade não está contente, muitas coisas podem ocorrer.

Poderia considerar esse mesmo problema para a direita, que, atualmente, se encontra dispersa. Ao contrário da esquerda, que, em suas múltiplas divisões, tem um representante, na direita, não encontramos uma organização que defenda alguma postura “unitária”, mas que responde mais a interesses pessoais. Podemos encontrar algum partido que se autoconsidere de direita?

Acredito que os partidos estão tratando de evitarem serem rotulados de esquerda ou de direita, Não encontram um benefício para fazer isso, e o que estão tratando mais é que na mente dos votantes exista um conjunto de ideias, pelas quais o votante deva votar neles. Não acredito que se queira iniciar o debate entre esquerda ou direita. Ser de esquerda não te gera um voto muito alto, como ser de direita, tampouco. Creio que não querem uma confrontação ideológica, mas bem gostariam que todos se colocassem no centro, centro-esquerda, centro-direita.

A candidatura de Cesar Acuña pode ser considerada como uma presença necessária do regionalismo no cenário político? É, talvez, o reflexo tão idealizado de uma maneira de fazer política, que vai da periferia à capital?

Não me parece. Não porque a candidatura não implique nisso, mas porque ele não está criando uma imagem da periferia no centro. O que eu acredito é que está criando a imagem de uma pessoa de poucos recursos, que soube como fazer, que tem essas virtudes de um empreendedor bem sucedido. Não me dá a impressão de que a questão da periferia está tão forte nele, além disso, tem que conquistar o voto de Lima.

Existe uma contracampanha às candidaturas de Keiko Fujimori e Alan García, que apela para a “memória”: que o peruano “esquece fácil”. Qual a importância deste componente nárino ceo eleitoral?

Fundamental. Pelo menos de em 20% a 40% influem essa relembrança da memória, que lhes tira votos. O que ocorre é que as eleições são um processo no qual você começa em um ponto e termina em outro e, na verdade, é muito difícil saber o que vai acontecer no meio. Por exemplo, o caso de Alan García, quando começou, ele sabia que tinha o problema dos narco-indultos, mas não sabia que ia existir o problema do plágio. Como Keiko sabe que vão questionar o tema dos maus tratos às mulheres ou a corrupção do seu pai. Mas, digamos que uma eleição também vai criando uma dinâmica que, muitas vezes, é difícil de saber o que vai ocorrer no transcurso do dia.

Estes mesmos candidatos, além disso, estão associados a uma figura icônica para desenvolver suas campanhas. Keiko a seu pai e Alan, em menor medida, a Haya de la Torre. O ocorre com os outros candidatos? Como enfrentar estrategicamente figuras tão populistas e avassaladoras?

Acredito que o que você disse é mais certo com Keiko, mas não com Alan. Creio que Alan, há tempos, escapou de Haya de la Torre. Pode ser que, no início, Alan estivesse vinculado a Haya de la Torre, mas depois não. Creio que os eleitores de sua geração não saibam quem é Haya de la Torre. No caso de Keiko, sim, está presa à figura do seu pai e, na verdade, o mérito de Keiko é ser filha do seu pai. Ela não teria nenhum mérito, se não fosse Fujimori. No caso de Alan García, seu mérito é próprio.

Imagino que sim. Como te digo, uma eleição é um processo, se a aposta de Keiko de seguir o discurso de Havard funciona, vai continuar, se vir que está perdendo votos, vai voltar atrás. Eu creio que o que Keiko quer fazer, e imagino que, se for inteligente, o fará, é ser uma fujimorista light, não ser uma Martha Cháves, nem tampouco pode desempenhar o papel de Susana Villarán porque ninguém vai acreditar. Keiko sabe que tem um voto duro e esse voto duro vai ser seu sempre. Então, o que ela tem que conquistar é o outro voto.Nesse sentido, para o eleitorado peruano, a candidatura de Keiko Fujimori associada à figura do seu pai ainda, é percebida como uma figura integradora de distintos setores, em nível nacional. As alianças que Keiko Fujimori está forjando, por exemplo, com Vladimiro Huaroc buscam perpetuar essa percepção?

Existe a possibilidade do aparecimento de um outsider para o cenário eleitoral de 2016?

Bem, não sei, tudo depende de quem se inscreva, quando terminar a inscrição, já não há possibilidade de outsider. É difícil, mas veja a história de Fujimori, de ninguém conhecê-lo terminou sendo presidente da República. O que é certo é que um percentual altíssimo da população vota com pouca vontade. Assim, existe uma possibilidade de que o voto passe para outra pessoa, mas não sei para quem.

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Fonte: Gran Angular

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