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sábado, 20 abril, 2024

O que deu errado na luta por um meio ambiente equilibrado?

Ár­vores boiam no Rio Xingu. Foto: Gre­en­peace
Não dá para pensar numa pauta Brasil sobre com­pro­missos am­bi­en­tais sem antes fazer uma breve re­tros­pec­tiva de como sur­giram as pri­meiras dis­cus­sões in­ter­na­ci­o­nais sobre meio am­bi­ente.

Pri­ma­vera si­len­ciosa

A partir de 1962, Ra­chel Carson pro­duziu um es­tudo cha­mado Pri­ma­vera Si­len­ciosa, onde expôs a con­ta­mi­nação da ca­deia ali­mentar por pes­ti­cidas nos EUA. Carson cri­ti­cava o mo­delo do de­sen­vol­vi­mento econô­mico que im­punha al­te­ra­ções ao am­bi­ente ao ex­ter­minar es­pé­cies de in­setos ou plantas. Pela pri­meira vez, na época, al­guém teve co­ragem de tornar pú­blica a con­ta­mi­nação e a vul­ne­ra­bi­li­dade do am­bi­ente.

As ge­ra­ções mais jo­vens, a partir desse mo­mento que con­si­dero um marco, to­maram para si a res­pon­sa­bi­li­dade de dis­se­minar os pre­juízos ao meio am­bi­ente cau­sados pela agroin­dús­tria e o uso in­dis­cri­mi­nado dos, então, cha­mados “de­fen­sivos”. Junto vi­eram as ques­tões da po­luição ur­bana com o au­mento do uso dos com­bus­tí­veis fós­seis.

Os li­mites do cres­ci­mento

De­pois, em 1968, ti­vemos a Con­fe­rência de Paris, a Con­fe­rência In­ter­go­ver­na­mental de Es­pe­ci­a­listas ou Con­fe­rência da Bi­os­fera, cal­cada em bases ci­en­tí­ficas, or­ga­ni­zada pela Unesco. Foi aí que surgiu o Clube de Roma, de ci­en­tistas, po­lí­ticos e in­dus­triais pre­o­cu­pados com os rumos do cres­ci­mento econô­mico e com o uso cres­cente dos re­cursos na­tu­rais.

O Clube de Roma pro­duziu o re­la­tório in­ti­tu­lado “Os li­mites do cres­ci­mento” que mos­trou como nos cem anos a partir dali a Terra al­can­çaria um li­mite e ha­veria o de­clínio da ca­pa­ci­dade in­dus­trial, econô­mica e so­cial. No en­tanto, esse li­mite que po­deria acon­tecer só em 2068, pa­rece que já está co­me­çando agora, antes de 2020.

Com a pre­visão dra­má­tica con­tida no re­la­tório do Clube de Roma, a Con­fe­rência de Es­to­colmo, em 1972, pro­duziu outro do­cu­mento em que cons­taram 26 prin­cí­pios para fazer frente às pre­o­cu­pa­ções com os im­pactos do cres­ci­mento e do de­sen­vol­vi­mento sobre o meio am­bi­ente. Foi aí que surgiu uma visão mais clara da ne­ces­si­dade da pro­teção am­bi­ental e do di­reito hu­mano ao meio am­bi­ente sau­dável.

Nosso des­tino comum

Em 1987, outro re­la­tório, “Nosso Des­tino Comum”, re­co­nheceu pela pri­meira vez a na­tu­reza global dos pro­blemas am­bi­en­tais. A ex­pressão “de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável” foi cu­nhada, viria a ser um mantra mun­dial das or­ga­ni­za­ções so­ciais e se tornou a es­trela da Rio-92. Na Rio-92, mais de 100 países con­so­li­da­riam a Con­fe­rência de Es­to­colmo, de 1972, de onde saíram os acordos como a Con­venção sobre o Clima, a Con­venção sobre a Bi­o­di­ver­si­dade, a Carta da Terra e a fa­mosa Agenda 21.

Mas, algo deu er­rado porque, a meu ver, houve um pro­cesso de des­monte dos com­pro­missos am­bi­en­tais desde a Con­fe­rência das Na­ções Unidas para o Meio Am­bi­ente e o De­sen­vol­vi­mento, a Rio-92. As forças dos am­bi­en­ta­listas até então es­tavam cal­cadas em uma es­pécie de mi­li­tância, de ide­o­logia am­bi­ental em torno dos com­pro­missos as­su­midos desde 1968. A luta se dava para con­quistar a opi­nião pú­blica sobre a im­por­tância da questão am­bi­ental na pre­ser­vação do pla­neta.

Na Rio-92 sentiu-se uma atu­ação menos con­tun­dente por parte das ONGs e a as­censão do pro­ta­go­nismo dos go­vernos e em­presas na pauta am­bi­ental. Um bom dis­farce para co­optar o cha­mado “ter­ceiro setor” e grandes ONGs for­ta­le­cidas, até então, pelos ati­vistas, prin­cí­pios am­bi­en­ta­listas e tra­balho vo­lun­tário. Assim, co­meçou a morrer a in­de­pen­dência das or­ga­ni­za­ções frente ao poder pri­vado e ao poder pú­blico. Captar re­cursos passou a ser o fim e não o meio. O corpo a corpo de am­bi­en­ta­listas ati­vistas contra grandes mons­tros po­lui­dores passou a ser uma lenda.

Essa é uma tese que há muito venho per­se­guindo e de­sen­vol­vendo. As or­ga­ni­za­ções não go­ver­na­men­tais do mundo in­teiro man­ti­veram seus dis­cursos, mas pas­saram a re­ceber re­cursos fi­nan­ceiros de Es­tados e de fun­da­ções cri­adas pelas grandes em­presas. A partir desse mo­mento houve um der­rame de di­nheiro em pro­jetos de pre­ser­vação do meio am­bi­ente, to­cados pelas ONGs, para mi­ni­mizar pre­juízos às ima­gens ins­ti­tu­ci­o­nais du­ra­mente atin­gidas no pro­cesso de cons­ci­en­ti­zação am­bi­ental cres­cente, e que mi­nava o lucro das em­presas e a cre­di­bi­li­dade dos Es­tados.

Foi nesse con­texto que o Brasil, como país emer­gente, as­sumiu com­pro­missos na Rio-92 que não po­deria cum­prir. Ao con­trário das grandes po­tên­cias que re­lu­taram em pro­mover as mu­danças ne­ces­sá­rias às emis­sões, o Brasil aceitou o seu qui­nhão de sa­cri­fício.

Assim che­gamos à Rio+20

Quando che­gamos à Rio +20 a casa não es­tava ar­ru­mada e os exem­plos cu­nhados na Rio-92 não pro­du­ziram acertos e os erros não en­con­traram so­lu­ções.

Foi um grande mo­mento es­pe­rado pela so­ci­e­dade para saber como os seus go­ver­nantes iriam al­terar os rumos que con­duzem às ca­tás­trofes cli­má­ticas. Mesmo com os erros se acu­mu­lando desde 1972 e apesar do mea culpa co­le­tivo na Rio-92, não foi pos­sível im­pedir a ar­ro­gância do homem sobre a na­tu­reza. As li­ções não foram su­fi­ci­entes.

Temo que a Rio + 20 tenha sido uma úl­tima opor­tu­ni­dade de im­pedir a hu­ma­ni­dade de chegar ao ponto sem volta. A cons­ci­ência eco­ló­gica e o res­peito à na­tu­reza ainda não al­can­çaram a so­ci­e­dade como um todo e nem os di­ri­gentes das mai­ores na­ções do mundo. O Brasil con­tinua sendo um grande exemplo mun­dial do des­caso com o meio am­bi­ente, do des­res­peito pelas po­pu­la­ções in­dí­genas e com o atraso da men­ta­li­dade das elites po­lí­ticas.

São ainda poucos os an­tigos mi­li­tantes am­bi­en­tais nas grandes ONGs, que aos poucos estão sendo subs­ti­tuídos por recém-for­mados mal re­mu­ne­rados em busca de ex­pe­ri­ência para chegar até as grandes em­presas po­lui­doras. Lá se tor­narão exe­cu­tivos en­gra­va­tados para ca­rimbar uma tarja verde e con­ceder cre­di­bi­li­dade na “missão so­cial” das em­presas.

Que sau­dades eu sinto dos anos 1970, quando lu­tá­vamos por um am­bi­ente me­lhor. Foi nessa época que eu forcei fi­si­ca­mente um grande exe­cu­tivo de uma grande em­presa po­lui­dora cha­mada Vulcan a en­fiar os seus lindos sa­patos de couro ita­liano na lama que pro­du­zira uma das uni­dades em Mogi das Cruzes.


O de­sastre da Sa­marco no Rio Doce.

O que o Brasil po­deria fazer?

Apesar de o Brasil ser ad­mi­rado in­ter­na­ci­o­nal­mente como um país que ex­plora fontes re­no­vá­veis de energia, con­si­dero essa ad­mi­ração um des­pro­pó­sito. Nossa ma­triz é cal­cada em ener­gias fós­seis ou pro­du­zida por hi­dre­lé­tricas, cons­truídas em rios e re­giões que ja­mais re­cu­pe­raram a bi­o­di­ver­si­dade per­dida. Ar­ti­fi­ci­al­mente, muitos desses pro­jetos ten­taram criar pro­jetos so­ciais para gerar em­prego e renda sem con­si­derar a perda am­bi­ental das pró­ximas ge­ra­ções. Um tapa-bu­raco meia boca cha­mado ba­nal­mente de “com­pen­sação am­bi­ental”.

O Brasil, no en­tanto, está ainda en­ga­ti­nhando no que­sito energia eó­lica e solar, apesar de termos, como mos­tram es­tudos va­ri­ados de ci­en­tistas bra­si­leiros e in­ter­na­ci­o­nais, re­cursos fartos dessas duas fontes, tanto no Sul, como no Nor­deste. Bons ventos não faltam neste país con­ti­nental. Guar­ne­cido de uma ri­queza ex­tra­or­di­nária em bi­o­di­ver­si­dade, ao Brasil ca­beria um papel de pro­ta­go­nista mun­dial no de­sen­vol­vi­mento e uso das ener­gias limpas, re­al­mente re­no­vá­veis. Esse pro­ta­go­nismo mos­traria ao mundo o que é pos­sível fazer para salvá-lo da des­truição e da mi­séria.

Po­de­ríamos tornar o mundo muito me­lhor, se não es­ti­vés­semos di­re­ci­o­nando toda nossa energia emo­ci­onal para com­bater a cor­rupção e a mi­séria re­sul­tante, que es­fa­ce­laram o Es­tado. Ainda vai levar muito tempo para juntar os cacos.

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Telma Mon­teiro

Ati­vista sócio-am­bi­ental, pes­qui­sa­dora, edi­tora do blog es­pe­ci­a­li­zado em pro­jetos infra-es­tru­tu­rais na Amazônia. É também pe­da­goga e pu­blica há anos ar­tigos crí­ticos ao mo­delo de de­sen­vol­vi­mento ado­tado pelo Brasil.

Telma Monteiro

 

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