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sexta-feira, 29 março, 2024

“O que Trump representa nada tem de loucura… E não desaparecerá”

 

Peter Thiel in Zero Hedge
O bilionário do Vale do Silício (agora convertido em pária) Peter Thiel defendeu seu apoio a Donald Trump em discurso essa manhã. Sua fala brilhante percorre, da ignorância típica das elites e da bancarrota dos EUA, às guerras sem fim nem sentido e à qualidade de vida, cada dia mais degradada nos EUA…
“Todos sabem que estamos vivendo ano eleitoral completamente ensandecido. Eventos reais parecem ensaio geral para “Saturday Night” ao vivo.
Só um surto de insanidade explicaria o fato sem precedentes de, esse ano, um político completamente outsider ter conseguido a indicação como candidato de um dos dois grandes partidos.
Para o pessoal acostumado a influenciar nossas escolhas, os muito ricos que dão o dinheiro e os jornalistas e especialistas que fornecem os motivos pelos quais os muito ricos dão o dinheiro, para todos esses, tudo, nessa campanha eleitoral parece um pesadelo.
Os doadores de dinheiro nem querem saber por que chegamos até onde estamos: só querem saber de cair fora de onde estão. Que chegue logo esse 9 de novembro, quando eles esperam que todo mundo volte ao business como sempre. Mas é essa negligência, a tentação de ignorar as difíceis realidades que nossos cidadão se permitiram admitir, que nos pôs onde estamos hoje.
Muita gente bem-sucedida é orgulhosa demais para admiti-lo, porque a admissão parece pôr em questão o sucesso deles. Mas a verdade é que, não importa o quanto essa eleição pareça louca, ela é ainda menos louca que as condições em que está o nosso país. Basta considerar a geração da qual saíram quase todos os nossos líderes, baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964 (NTs)]. Todos se aproximam da aposentadoria, em estado de triste bancarrota pessoal. 54% dos norte-americanos com mais de 55 anos tem hoje na poupança para a velhice menos do que ganhavam em um ano de trabalho assalariado.
É problema grave, especialmente quanto esse é o país do mundo em que você tem de pagar até dez vezes mais por remédios simples, comparado com o que se paga no resto do mundo. O sistema super caro nos EUA de assistência à saúde poderia talvez ajudar a subsidiar o resto do mundo, mas nada disso ajuda os norte-americanos que não podem pagar para ter médico e hospital. E agora os norte-americanos estão acordando para essa realidade.
Nossos cidadãos mais jovens não têm contas de médicos e medicamentos, mas aí são os custos dos estudos que sobem muito mais rápido que a taxa de inflação, e acrescentam todos os anos mais dívidas à nossa dívida estudantil gigante de $1,3 trilhões. EUA converteu-se no único país no qual os estudantes assumem dívidas das quais nunca mais conseguirão se livrar, nem se declararem falência.
Condenados dentro desse sistema falido, os millenials [de modo geral, nascidos entre 1982 e 1994 (NTs)] são a primeira geração que prevê que a própria vida será pior que a vida dos pais deles. Enquanto as despesas das famílias só crescem e crescem, a renda permanece estagnada. Em dólares reais, as famílias nucleares fazem menos dinheiro hoje do que faziam há 17 anos. Quase metade da população nos EUA não terá $400, se precisar, no caso de alguma emergência.
Mas, ao mesmo tempo em que as famílias lutam para sobreviver aos desafios da vida diária, o governo queima trilhões de dólares de dinheiro dos contribuintes em guerras distantes. Nesse momento, os EUA combatem em cinco guerras: no Iraque, na Síria, na Líbia, Iêmen e na Somália.
Nos bairros ricos de Washington DC, o pessoal vai muito bem. Onde eu trabalho, no Vale do Silício, o pessoal vai muito bem. Mas muitos norte-americanos não vivem na região da Beltway Ave., nem da Baía de San Francisco. Muitos norte-americanos não veem a vida como esse pessoal a vê. Não é surpresa ver tanta gente disposta a votar em Bernie Sanders ou Donald Trump, o único outsider (bem poucas pessoas que votam e elegem presidentes algum dia sequer pensaram em coisa tão extrema como concorrer à presidência. Quem concorre sempre polariza os votos).
Mas na eleição de 2016, os dois principais candidatos são gente imperfeita, para dizer o mínimo. Não concordo com tudo que Donald Trump disse e fez, e não acho que os milhões de pessoas que votarão nele concordem. Ninguém considera aceitáveis os comentários deles sobre mulheres. Concordo: são claramente ofensivos e impróprios. Mas não acho que eleitores votem com o objetivo de aprovar os defeitos e falhas dos candidatos.
Não é a falta de capacidade para avaliar corretamente que leva tantos norte-americanos a votar em Trump: votamos em Trump porque entendemos e declaramos que a liderança dos EUA fracassou retumbantemente.
É avaliação difícil de aceitar para alguns dos mais afortunados do país, do pessoal socialmente proeminente. No Vale do Silício, sim, sim, foi difícil de aceitar, onde tantos aprenderam a calar, se discordassem da bolha costeira. Vozes mais altas enviaram mensagem, dizendo que não têm intenção de tolerar o que decida metade da população dos EUA.
Essa intolerância tem assumido algumas formas bizarras. O advogado, uma revista que certa vez elogiou-me como “inovador gay” agora já publicou artigo para dizer agora eu (cito) não sou “homem gay”, porque não concordo com a política deles. A mentira, na conversa fiada da “diversidade” não poderia aparecer mais claramente. Se você não se encaixa, nesse caso você não recebe tratamento de “diverso” e não é respeitado como “diverso”, não importa o que você tenha feito da sua vida.
Diante de todo esse desprezo, por que ainda há eleitores que apoiam Donald Trump? Ainda que considerem muito grave a situação dos norte-americanos, por que tanta gente acha que Trump – logo ele?! – saberia fazer melhor?
Acho que acontece assim por causa das coisas realmente grandes e realmente importantes que Trump vê corretamente e das quais fala com acerto.
Por exemplo, o livre comércio jamais funcionou para todo o país, nos EUA. Também ajuda que o lado oposto, adversários de Trump, absolutamente não entendam o que ele diz. Todas as elites norte-americanas amam o livre comércio e explicam que importados baratos convertem qualquer um e todos num vencedor, segundo a teoria econômica. Mas na prática real, todos perdemos dezenas de milhares de fábricas e milhões de empregos para o comércio em outros países. O interior do território dos EUA foi devastado. Talvez as elites realmente creiam que ninguém perde ou talvez nem se preocupem com perder, porque ainda acreditam que estariam do lado vencedor.
As dimensões descomunais do déficit comercial dos EUA mostram que alguma coisa saiu horrivelmente errada. O país mais desenvolvido do mundo teria de estar exportando capital para países menos desenvolvidos. Em vez disso, os EUA estão importando mais de $500 bilhões por ano. Esse dinheiro corre para as financeiras, distorce nossa economia a favor de mais banking e mais financistas asiáticos, e dá a pessoas ‘bem relacionadas’ uma razão para defenderem o status quo. Mas o benefício não alcança todos, e os eleitores de Trump sabem disso.
Os eleitores de Trump estão também cansados de guerra. Os EUA estamos em guerra há 15 anos e gastamos nelas mais de $4,6 trilhões. Mais de 2 milhões de pessoas perderam a vida e mais de 5 mil soldados norte-americanos perderam a vida. E não vencemos. O governo Bush prometeu que $50 bilhões bastariam para levar a democracia ao Iraque. Em vez disse, torramos 40 vezes mais dinheiro lá e só levamos o caos. Mesmo depois desses fracassos bipartidários, o Partido Democrata é mais linha dura hoje do que jamais antes desde a Guerra do Vietnã.
Primeiro foi a zona aérea de exclusão que Bill Clinton meteu sobre o Iraque antes da guerra fracassada de Bush. Agora é Hillary Clinton que quer porque quer zona aérea de exclusão sobre a Síria. Por incrível que parece, seria erro ainda mais leviano e irresponsável que invadir o Iraque. Dado que muitos dos aviões que sobrevoam a Síria são aviões russos, a via de ação que Clinton propõe meterá os EUA numa amaldiçoada guerra local –, com alto risco de converter-se em conflito nuclear direto.
O que explica essa fúria por agravar ainda mais uma situação tão perigosa? Como pode Hillary Clinton mostrar-se tão desatinadamente otimista quanto ao resultado de uma guerra?
Minha ideia é que tudo isso é resultado de longa prática. Por muito tempo nossas elites viveram habituadas a negar as realidades difíceis. Assim se formam as bolhas. Não examinamos as realidades, mas as pessoas querem crer em soluções simples. Assim se habituaram a negar a realidade e a inflar uma bolha.
Tem alguma coisa a ver com os baby boomers, cuja vida foi muito mais fácil que a vida dos pais deles e que a vida dos filhos deles. Acostumaram-se a crer em bolhas, uma depois da outra, e da outra, e da outra. A bolha do comércio, diz que há um vencedor em cada um, a bolha da guerra diz que a vitória é fácil, que nos espera na próxima esquina.
Mas nenhuma dessas histórias super otimistas simplesmente nunca foram verdadeiras. E os eleitores cansaram de sempre ouvir mentiras.
Foi ao mesmo loucura, mas ao mesmo tempo, de algum modo, inevitável, que os insiders em Washington contassem com que essas eleições seriam novamente disputadas entre duas dinastias políticas que nos levaram para dentro das duas mais gigantescas bolhas financeiras de nosso tempo.
O presidente JWBush foi presidente que inflou uma bolha de tão grande, que levou à bolha das moradias, tão devastadora que até hoje se veem os efeitos dela, na estagnação em que vivemos hoje.
Mas estranhamente, muitos esqueceram que a bolha das moradias da década passada foi inflada para cobrir os ganhos que haviam sido perdidos na década anterior. Nos anos 1990, presidente Bill Clinton reinou sobre uma enorme bolha do mercado de ações e ao crash devastador de 2000, quando seu mandato afinal chegava ao fim.
Por todo esse tempo, essas mesmas pessoas praticaram as mesmíssimas políticas de desastre.
Agora afinal apareceu alguém diferente. Alguém que afinal nos diz que todas as histórias que nos contam são amontoados de mentiras. A personna desse homem, maior que a vida, atrai todas as atenções. Ninguém está sugerindo que Donald Trump seja homem humilde, despretencioso. Mas quanto às coisas que realmente interessam, ele acerta sempre. Quanto à necessidade de forte dose de humildade em nossa política.
Muito diferente de todos os candidatos à presidência conhecidos, Donald Trump questionou os conceitos centrais do “excepcionalismo” norte-americano. É homem que não acredita que a simples força do otimismo seria suficiente para mudar a realidade, sem muito trabalho duro.
Tanto quanto a agenda de Trump tem a ver com “Fazer grande a América” [Make America Great], ela tem a ver com fazer da América um país normal. Países normais não têm déficits de meio trilhão de dólares. Países normais não combatem cinco guerras clandestinas simultâneas. Num país normal, o governo realmente faz o seu trabalho. E hoje, nos EUA, é importante reconhecer que o governo não tem o que fazer. Não tem nenhum serviço necessário, seu, a fazer.
Os eleitores estão fartos de ouvir políticos conservadores repetir que governos nunca funcionam. Eles sabem que nem sempre o governo foi quebrado como é hoje. O Projeto Manhattan, o Projeto de Rodovias Interestaduais, o Programa Appolo, por qualquer lado que se olhem esses projetos, é impossível negar a competência dos governos que os realizaram e fizeram acontecer.
Mas hoje decaímos para muito, muito abaixo daqueles padrões.
Não podemos deixar que a ideologia dos livres mercados sirva como desculpa para o declínio e o fracasso.
Não importa o que venha a acontecer nessas eleições, o que Trump representa não é loucura, nem vai desaparecer. Ele aponta para um novo Partido Republicano, que ultrapasse os dogmas do Reaganismo. Ele aponta, mais do que para a necessidade de reconstruir um partido, para a necessidade de reconstruir a política nos EUA, que tem de ultrapassar a perversão de negar a realidade, que tem de rejeitar a mentalidade pró-bolhas e tem de se reconciliar com a realidade.
Quando os restos dessa eleição já forem passado, e se escrever a história de nossos tempos, a única pergunta cuja resposta realmente interessará será se essa mudança na política dos EUA chegou ou não tarde demais. Obrigado.”

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