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quinta-feira, 18 abril, 2024

OH PÁTRIA AMADA TÃO HUMILHADA

Pedro Augusto Pinho*

“Fomos recebidos com certa alegria pelo branco que parecia ser o dono daquele local e que, ainda na rua, andou em torno de nós, apalpou nossas carnes, alisou nossas peles e provou o gosto deixado no dedo, abriu nossas bocas e olhou os dentes e, por fim, fez sinais de aprovação. Quando entramos no armazém, percebi o motivo da felicidade, pois ele tinha um bom estoque de pretos  …….. pareciam mesmo carneiros magros, bichos maltratados e doentes” (Ana Maria Gonçalves, Um defeito de cor, 2006).

Na análise do escritor moçambicano Mia Couto, procurávamos escrever como os notáveis da Metrópole, para que mostrássemos a eles que também éramos bons, e esquecíamos o que éramos e de onde vínhamos.

Somos todos nós, brasileiros, mestiços de alguma etnia, sempre buscando o elogio da metrópole, esquecidos até de sermos humanos. Que vergonha! E houve quem fosse para rua, bater panela, exigir, como um escravo feliz, mais humilhação, menos comida, mais chicote, nenhum poder.

O que vamos comemorar neste sete de setembro?

A destruição do Brasil, que por ignorância, ideologia ou pérfidos interesses que repudiamos, é tornada possível pelo golpe, e o faz em ritmo acelerado. E a banca, que em sua estratégia de dominação nos levou a isso, nem nos dará um torrão de açúcar, que guarda para seu cavalo.

Que posso dizer de quem não vai para rua defender sua pátria, seu País?

Dos tantos males que sofremos só tratarei de um: a alienação nacional, quer física e quer espiritual.

Foi-nos vendida a ideia, e quantos ainda hoje acreditam, de que somos incompetentes. O brasileiro não é capaz. Não importa os troféus arrebatados nas áreas do petróleo, da medicina e da engenharia. Nada disso prevalece diante da frase de Eugênio Gudin, ministro da fazenda com Café Filho (1954), relatada pelo general Edmundo de Macedo Soares: “o Brasil não deve possuir indústrias pesadas …….. siderurgia é para povo branco”.

Aproveitemos esta aberrante e ideológica afirmação, para verificarmos quem, efetivamente, governou nosso Brasil.

Tomando os registros históricos de Gustavo Barroso e do Senador Liberato de Castro Carreira (Brasil Colônia de Banqueiros, Revisão Editora, RS, 1989, e História Financeira e Orçamentária do Império no Brasil, Fundação Casa de Rui Barbosa, RJ, 1980, respectivamente) podemos entender que, de 1822 a 1930, foi o capital financeiro inglês quem deteve o poder.

Do mesmo modo que chamarei o período 1930-1980 de Era Vargas – segundo Marcelo Paiva, “A ordem do progresso”, Ed. Campus, 1990, quando Brasil teve o segundo crescimento mais dinâmico do mundo – este primeiro período de nossa história “independente” pode ser a Era do Capital Inglês. E após 1980 temos a Era da Banca, ou do capital financeiro internacional, da denominada Nova Ordem Mundial, que nem é nova nem é ordem.

O que diferencia a Era Vargas das demais?

Entendo que dois caminhos, concomitantemente construídos, levam à efetiva Independência: o da soberania e o da cidadania.

Construir a soberania significa ter autonomia econômica e tecnológica. Só depender para seu desenvolvimento, salvo algum recurso natural, das decisões livre e democraticamente tomadas por seu povo.

Construir a cidadania é, antes de tudo, reconhecer a dignidade humana. Saber que a construção da cidadania é um investimento permanente da Nação nas pessoas, a começar por suas existências. Sobre este último tema, tenho escrito e pretendo continuar fazendo, pois nunca houve um projeto político, em qualquer partido, que efetivamente propugnasse pela construção da cidadania.

A Era Vargas, em relação às demais, apresentou o desejo da industrialização e da condução nacional de nossa economia. A partir deste desiderato, reconheceu a necessidade da classe trabalhadora e não escrava. Resultaram disso a legislação trabalhista, o Plano de Metas de JK e os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) dos Governos Militares.

Este projeto nacional enfrentou, em seu meio século, as oposições dos golpes (1945,1954, 1964 e 1985) que sempre tiveram como objetivo maior impedir esta condução nacional de nossa economia.

Na tese de doutorado de Pedro Henrique Pedreira Campos, transformada no livro “Estranhas Catedrais” (Editora da UFF, RJ, 2014), lê-se: “logo após o golpe de estado de abril de 1964, a maior parte dos postos de comando no aparelho de Estado foram preenchidos por quadros do Ipes e da Consultec, representando os interesses dos capitais privados internacionais e seus associados” ….. e “com as medidas de garantia à integridade dos investimentos estrangeiros, o cancelamento da lei de restrição de remessas de lucros e a revisão sobre o processo das empresas encampadas”. E para o plano anti-inflacionário, os “principais instrumentos utilizados pelo governo atingiam os trabalhadores”.

Alienada dos bens, a Nação também se aliena na mente.

Há um episódio quase oculto da História do Brasil, de resto sempre apresentada nas escolas fundamentais sob a ideologia colonial, que mostra esta construção ideológica do interesse do poder.

O cenário é o Rio Grande do Sul, na região de Sobradinho e Soledade. Conforme André Pereira e Carlos Alberto Wagner (Monges Barbudos & O Massacre do Fundão, Mercado Aberto, RS, 1981), esta região de poucos recursos naturais foi sendo ocupada, desde o século XIX, por pequenos agricultores, oriundos das migrações de portugueses da área rural, fugidos das crises econômicas europeias, e bugres. No início do século XX, a elite política, social e econômica que aí se formou pertencia à maçonaria. E havia uma hostilidade entre a maçonaria e a Igreja Católica.

Um entreato curioso. Frei Alberto Stawliski, em “Cincoenta anos de atividades apostólicas dos capuchinhos no Rio Grande do Sul” declara “inimigos da Igreja” os metodistas, os espíritas e os maçons.

Voltemos ao Fundão, como se denominava aquela região riograndense. Havia uma grande adesão da elite e mesmo da população ao integralismo. Mas esta opção política era identificada como comunista, em parcelas dos vários estratos sociais.

O ano de 1938 foi o da tentativa de Plínio Salgado tomar o Palácio do Catete, o que desencadeou forte reação varguista. Por azar, a cerca de 100 quilômetros de Soledade, havia sido formado uma comunidade religiosa, “Os Monges de Pinheirinho”, considerada “de fanáticos”. Juntem-se os integralistas-comunistas, as questões religiosas, o “fanatismo” e a presença de Cordeiro de Farias, interventor no Rio Grande do Sul, incumbido de reprimir os, no momento, inimigos de Vargas, e teremos um massacre de 2000 pessoas.

Nada diferente do que acontece hoje e sempre, quando a ignorância e a desinformação são projetos de poder. E esta condição só é corretamente combatida com a construção da cidadania.

Não fugirei do hiato Lulista. O Partido dos Trabalhadores, como ocorre e ocorrerá num Brasil onde as posições ideológicas são sempre mascaradas politicamente, as vezes até pela precária formação intelectual dos atores, não é um partido coeso e politicamente uno. Convivem interesses pessoais e ideológicos diversos. Nisto não se diferencia de qualquer outro, grande ou nanico partido.

No entanto houve um projeto de retomada da Era Vargas, sem redução e muito menos retirada de todos os privilégios dos então detentores do poder.

Não sei se por incompreensão do poder ou por, leve que fosse, um messianismo das lideranças, o projeto Vargas é, sempre foi, oposto ao da Banca. O desfecho, o golpe de 2016 era uma história anunciada. Só faltava marcar no tempo.

Assim, temos mais um 7 de setembro sem ter o que comemorar. E pior, muito a lamentar pela situação do Brasil sob corruptos, despreparados, cínicos e entreguistas golpistas.

“Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar” (Carta de São Paulo aos Romanos, Rm 12,2)

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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