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quinta-feira, 28 março, 2024

PEDAGOGIA COLONIAL, LETRAMENTOS E NOSSAS MAZELAS EDUCACIONAIS

 “Uma sociedade injusta é aquela na qual os direitos de muitos não são respeitados, para que os privilégios de poucos sejam garantidos e, como não poderia deixar de ser, essa sociedade injusta produziu a escola que lhe convinha: uma escola injusta”. (Maria Amélia Azevedo Goldberg, “Que escola é esta?”, in

  “Ritos de Passagem de nossa infância e adolescência”, antologia, Summus Editorial, SP, 1985)

Pedro Augusto Pinho*

Uma unanimidade, ao se discutirem problemas nacionais, é a inadequada ou inexistente educação. Temos educação? O que é educar?

Escrevendo as expressões “pedagogia colonial” ou “didática colonial” refiro-me quase sempre ao Brasil, às condições nacionais brasileiras, que são minha permanente e maior preocupação.

Mas a colonização das mentes pela “didática colonial”, obviamente em diferentes níveis, é universal; ela faz parte de um poder que se quer perpétuo. Por melhor avaliação que tenhamos, por exemplo, da instrução francesa ou alemã, suas pedagogias refletem os poderes que estão por trás dos governos destes países.

Estes e outros grandes problemas da educação jamais foram esquecidos pelos grandes pedagogos brasileiros, dentre os quais ressalto Paulo Freire.

Não é por acaso que os golpistas e seus apoiadores buscam, com suas falácias,  denegrir ou aviltar  a figura deste grande brasileiro. E, como é óbvio, sem jamais terem lido uma única linha de seus escritos, assistido a uma única palestra, participado de um só grupo de estudo  sobre as ideias de Freire. É a ignorância, aliada ao preconceito e ao cinismo, frutos desta pedagogia que há mais de 500 anos nos oprime.

O combativo e inteligente jornalista Miguel do Rosário, editor de O Cafezinho, escreveu a respeito de uma entrevista do ministro da educação: ”é um clássico da ignorância”. O que esperar das determinações deste político do DEM senão censura a cursos universitários, invasões, com ou sem mortes, aos centros de estudo superior?

É claro que a glorificação da ignorância, ao longo de toda nossa história, foi perseguida, com afinco, pelo poder e bem executada pelos governantes. É graças a ela que a estupidez e a truculência dos golpistas de 2016 se impõem. Vejamos o caso da presidenta do Supremo Tribunal Federal. Jamais se destacou pela profundidade da análise ou pelo conhecimento de temas indispensáveis à boa formação jurídica, como os de filosofia, sociologia e, nos governos da banca e na interferência desta na legislação nacional, da economia. Mas tendo que se expressar, por força do cargo e do apoio ao golpe, brinda-nos com lugares comuns e platitudes incompatíveis com as mínimas qualificações para função. E passa tudo como normal.

A pedagogia atual trata dos letramentos, ou seja, das cognições da escrita e maneiras de se chegar a ela. O letramento básico é aquele que permite ler e escrever em um “contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno. O estudante (além de decodificar letras e palavras) precisa aprender toda uma tecnologia muito complicada: como segurar o lápis, escrever de cima pra baixo e da esquerda para a direita; escrever numa linha horizontal, sem subir ou descer. São convenções que os adultos letrados acham óbvias, mas que são difíceis para as crianças. E no caso dos professores dos ciclos mais avançados do ensino fundamental, é importante cuidar do letramento em cada área específica” (Magda Becker Soares, entrevista ao Diário na Escola, Diário do Grande ABC, 29 de agosto de 2003). Ele pode ser obtido pelos meios convencionais da cartilha ou pelos recursos contemporâneos da comunicação virtual, da informática.

Mas os letramentos são múltiplos, como trata o professor Felipe Bandoni, na revista “nova escola” (Ano 32 nº 309, fevereiro de 2018) ao discorrer sobre o  letramento científico: “a capacidade de compreender, interpretar e formular ideias científicas em uma variedade de contextos, inclusive os cotidianos”.

O mais ausente letramento na educação colonial é o letramento social. Este permitiria, por exemplo, identificar o interesse absolutamente estranho à proteção dos idosos e dos mais pobres que se esconde na proposta golpista da reforma da previdência social. Letramento social é saber ler além da simples expressão, escrita ou falada, para situá-la no universo sociopolítico. E é difícil, muito difícil.

As pessoas nem sabem o que é ser cidadão, o que seria a reivindicação mínima, primária, de todo ser humano. E o sabendo, mesmo muito eventualmente, não saberão, como se expressa o professor Bandoni, “formular ideias em uma variedade de contextos”.

E, assim, permanecemos, a despeito da cor da pele, escravos por toda vida e pelas gerações. Não se iludam os ocupantes eventuais e fugazes de funções executivas, eles também são e serão sempre escravos.

Mas o coxinha educacional, aquele que pensa que decorar tabuada e bajulações históricas aos detentores do poder constitui “educação”, continuará tentando ignorar Paulo Freire, invadindo universidades.

Ao escrever sobre a construção da cidadania, coloco a consciência como elemento indispensável, junto às condições de existência e a vocalização.

Consciência e não educação. Pois o que se pretende neste elemento integrante da cidadania é que a pessoa humana tenha todos os letramentos e nas formas que seja capaz de os processar. São óbvios o letramento básico, o letramento científico, o letramento cultural, artístico, esportivo, mas é indispensável o letramento social. Só ele permitirá a compreensão do ser cidadão e o habilitará às opções políticas. Sem este continuaremos escravos.

Outra importante referência na questão educacional brasileira é o grande antropólogo, o gênio Darcy Ribeiro. Como lembra, em magnífico artigo no Portal Pátria Latina, o professor José Ribamar Bessa Freire ( O Preto Velho, os Pretos Novos e o Voo de Tuiuti: Ninguém Esquece Um Elefante) foi Darcy Ribeiro quem defendeu o diálogo entre a “sabedoria popular” e o conhecimento da universidade.

Poderia e até gostaria de continuar tratando desta questão cidadã. Mas temos ainda, sob o manto abrangente da educação, tratar dos educadores, dos operadores da educação.

Narro, pelo local – um país africano carente de recursos como todos vizinhos – e pela avaliação – um círculo de governo –, um fato ocorrido comigo. Há trinta anos, trabalhei como consultor das Nações Unidas em projeto de planejamento e estruturação institucional na República de Ghana. A solução que propus para determinado problema organizacional fugia da ortodoxia. Foi então levado a longo debate, incluindo pessoas estranhas ao projeto. Após a aprovação fui parabenizado com a qualificação “professor”.

Em alguns poucos países europeus, constatei que “ser professor” era um elogio, uma distinção. Aqui diz “que quem sabe faz quem não sabe ensina”, num menoscabo cruel desta mais nobre e fundamental profissão: levar o conhecimento e a auto estima à população. Que é um país sem professores? E como ter os melhores professores?

Os países nórdicos, pela informação que disponho, encaminham para o magistério seus melhores e mais talentosos estudantes.

Pergunte a um executivo ou a um proprietário de qualquer empresa como ele consegue tão bons empregados, tão brilhantes gerentes. Ele, se não faltar com a verdade, lhe dirá: dou bons salários e segurança para trabalhar. É quanto basta.

Queremos ter bons professores, bons pesquisadores nas escolas, nas universidades? Comecemos pelos bons salários. Mas aí entra o confronto com os mesquinhos interesses desta classe que “faz a cabeça dos brasileiros”. Ou também pagam bons salários ou perderão os mais talentosos empregados para as escolas. Então é preciso estar aquém de um piso salarial ridículo e nem assim o respeitar.

O salário dos professores deveria constar, antes do pagamento da dívida aos bancos, como o primeiro dispêndio, dentro ou fora dos superavits fiscais.

E, como na segunda razão do executivo, dar segurança, garantir a autonomia da educação, da pesquisa e não buscar pretextos fúteis e ignóbeis para intervenção nas universidades e centros de pesquisa, como faz este corrupto governo, golpista e ditatorial. Com bons salários e segurança no trabalho, teremos bons e respeitados professores.

E agindo assim, o conceito social do professor despertará o interesse e o respeito do jovem, ao contrário do que assistimos, com vergonha e tristeza, acontecer em sala de aulas onde as professoras são agredidas e ofendidas.

Os golpistas, os asseclas dos partidos que lhes dão sustentação, os falsos pastores que estão mais distantes das palavras de Cristo do que nosso planeta de um buraco negro no universo, os ruralistas, os das bancadas da bala ou da bola, quando vieram falar de educação devem ser vaiados, escorraçados, como verdadeiros inimigos do povo e da nação brasileira.

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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