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sexta-feira, 19 abril, 2024

Por que a Europa teme as Novas Rotas da Seda 

Pepe Escobar, Asia Times
Entreouvido na Vila Vudu e na redação de Pátria Latina

Enquanto Temer, o Usurpador, destrói o Brasil e discursa a favor de “livre comércio” [só rindo!] com a direita chilena, a China constrói pontes, estradas, portos, estaleiros, conexões high-tec e – 
como no verso do grande João Cabral de Melo Neto – “tece uma manhã”. 
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Começou como um escândalo de pequenas proporções – considerando-se o ciclo de noticiário pós-verdade, 24 horas, sete dias por semana. Dos 28 embaixadores de países da União Europeia em Pequim, 27 – única exceção foi a Hungria – assinaram um documento interno em que criticam as Novas Rotas da Seda como ameaça não transparente ao livre comércio, que supostamente favoreceriam conglomerados chineses e a concorrência não equânime.

O documento foi vazado primeiro para o respeitado jornal do empresariado alemão Handelsblatt. Diplomatas da União Europeia em Bruxelas confirmaram para Asia Times a existência do documento. Até que o Ministério de Relações Exteriores da China acalmou a turbulência, dizendo que Bruxelas já explicara tudo.

Na verdade, trata-se de nuances. Quem conheça o quanto a eurocrática Bruxelas é disfuncional sabe que não há política comum da União Europeia para a China – e, por falar disso, a UE tampouco tem política para a Rússia.

O documento interno menciona o quanto a China, pelas Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) está “perseguindo objetivos políticos domésticos como a redução do excesso de capacidade, a criação de novos mercados de exportação e salvaguardando o acesso a matérias primas.”

Claro que há pensamento chinês e argumentos autoevidentes incorporados na ICE, e desde o início – e Pequim jamais negou que houvesse. Afinal, o próprio conceito foi aventado pela primeira vez dentro do Ministério do Comércio, muito antes do anúncio oficial pelo presidente Xi Jinping em Astana e Jakarta em 2013.

As percepções do que seja a ICE variam conforme quase incontáveis latitudes. A Europa Central e a Europa Oriental são mais entusiasmadas – porque a ICE é sinônimo de projetos de infraestrutura muitíssimo necessários. Grécia e Itália também, como noticiou Asia Times. Portos ao norte, como Hamburg e Rotterdam estão realmente configurados como terminais da ICE. A Espanha está muito interessada nos dias vindouros, quando o trem de carga de Yiwu a Madrid rolará sobre trilhos para alta velocidade.

Na essência, tudo se resume a empresas de algumas nações específicas da União Europeia que querem decidir o próprio grau de integração ao que Raymond Yeung, economista-chefe para a China deAustralia and New Zealand Banking Group Limited (ANZ), descreve como “o maior experimento econômico da história moderna.”

Atenção a esses engenheiros chineses

O caso da França é emblemático. O presidente Emmanuel Macron – atualmente em ofensiva massiva de Relações Públicas para se autocoroar Rei (não oficial) da Europa – na verdade elogiou a ICE quando visitou a China no início do ano.

Mas, como sempre acontece, a nuança não falta: “Afinal de contas, as antigas Rotas da Seda jamais foram exclusivamente chinesas” – disse Macron em Xian, no Palácio Daming, residência da dinastia Tang, poderoso pilar das Rotas das Sedas por mais de 200 anos. – “Essas rotas”, Macron continuou, “não podem ser vias de uma nova hegemonia, que transformaria em vassalos os países pelos quais elas cruzam.”

Quer dizer: Macron já se preposicionava para dirigir as relações União Europeia-China noutra direção, para longe e além da preocupação número 1 da União Europeia: o modo como os chineses jogam o jogo de comércio/investimento no exterior.

Macron falou muito a favor de a burocracia da Comissão Europeia endurecer as regras anti-dumpingcontra as importações chinesas de aço, e para forçar que a União Europeia examine todas as fusões e aquisições em setores estratégicos, principalmente as que tenham a ver com a China.

Paralelamente, virtualmente todas as nações da União Europeia – não só a França – querem maior acesso ao mercado chinês. Macron tenta mostra otimismo e repete o mantra – “A Europa voltou” – em termos de competitividade, que mal encobre o medo primordial de que padece a Europa: a evidência de que é a China que pode estar ficando competitiva demais.

A ICE, para Pequim, tem tudo a ver com geopolítica, mas principalmente com projeção geoeconômica – incluindo a promoção de novos padrões e normas globais que podem não ser exatamente as praticadas pela União Europeia. E isso nos leva ao coração da matéria, que não se lê no relatório interno vazado: a intersecção entre a Iniciativa Cinturão e Estrada e Made in China: 2025.

Pequim está dedicada a se tornar um dos líderes globais no campo da alta tecnologia em menos de sete anos. Made in China: 2025 identificou 10 setores – incluindo Inteligência Artificial, robótica, aeroespaço, carros e navios e estaleiros verdes – como prioritários.

O comércio bilateral China-Alemanha, que ano passado chegou a 187 bilhões de euros, é muito maior que China-França e China-GB, cada um desses em 70 bilhões de euros. E, sim, Berlin está preocupada.Made in China: 2025 representa significativa “ameaça” a empresas alemãs top que produzem bens de alta qualidade.

Tudo isso pode virar passado, se a China compra quantidades estonteantes de maquinário alemão – mais os inevitáveis BMWs e Audis. O novo normal aponta para um exército de companhias chinesas escalando em altíssima velocidade a cadeia do valor agregado.

Como disse à Reuters o presidente executivo da Bauer, Thomas Bauer: “[Rivalidade com a China] não será disputa contra copistas. Será disputa contra engenheiros inovadores.”

Navegar a economia azul

O relatório Blue China: Navigating the Maritime Silk Road to Europe [(ing.) China azul: pela Rota Marítima da Seda para a Europa (mapa)] expande, de modo muito útil, o objeto do debate, apontando para como o desenvolvimento da Rota Marítima da Seda pode vir a ser ainda mais crucialmente importante que os corredores de conectividade por terra.

O relatório observa o quanto a Rota Marítima da Seda já afeta a União Europeia em termos de comércio marítimo e construção de navios, e faz algumas perguntas sobre a presença global da Marinha de Libertação Popular. Recomenda que a União Europeia “acompanhe a economia azul da China, como um motor de crescimento e produção de riqueza, e encoraje a inovação, para responder as bem financiadas políticas industriais e de Pesquisa & Desenvolvimento chinesas.”

A “economia azul” aparece fortemente em Made in China: 2025 –, especialmente em termos de inovação na infraestrutura de portos e carga/descarga. A ideia central, do ponto de vista de Pequim, é sempre cortar custos no comércio marítimo – mas isso, claro, sempre dependerá de se os preços do petróleo continuarão a subir, como esperam a OPEP e Rússia.

Hoje, a burocracia da União Europeia tem de estar temerosa, sentindo a possibilidade de acabar prensada entre uma China high-tech e “EUA em primeiro lugar”, de Trump. E até aí ainda nem se leva em conta o inevitável choque geoestratégico entre a Iniciativa Cinturão e Estrada e o “Indo-Pacífico livre e aberto” a ser administrado, em teoria, por EUA, Japão, Índia e Austrália; mais uma patrulha glamourizada no Mar do Sul da China, que algum vasto projeto de integração econômica da Eurásia.

Em julho acontecerá uma reunião de cúpula União Europeia-China, e adiante, no segundo semestre, uma cúpula Alemanha-China. Voarão faíscas nada transparentes.*******

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