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terça-feira, 19 março, 2024

Por que Hollande falou grosso na reunião da OTAN

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Traduzido pelo Coletivo de Vila Vudu

“OTAN não tem qualquer papel, para dizer como devem ser as relações entre Europa e Rússia. Para a França, a Rússia não é adversária, não é ameaça” – palavras do presidente da França François Hollande, ao desembarcar em Varsóvia para participar da reunião de cúpula da aliança dias 8-9/7, que põem em destaque as correntes subterrâneas da política europeia depois do Brexit.

Hollande tinha em vista vários objetivos ao dizer o que disse. Na verdade, deu voz, indiretamente, ao ressentimento por os EUA estarem forçando a mão e insistindo em tornar cada vez mais difíceis as relações da Europa com a Rússia. Principalmente, chamou a atenção do mundo para a intenção da França, que volta a querer ser voz proeminente na Europa, embora o velho “relacionamento especial” com a Alemanha já não seja o que foi, e a França seja hoje o lado mais fraco.

Claro: Hollande tinha também um olho em casa, na política doméstica francesa, pensando no seu baixo índice de popularidade (13%). O ex-presidente Nicolas Sarkozy está reaparecendo para disputar o voto da direita nas eleições presidenciais do próximo ano, navegando sobre uma plataforma nacionalista, num momento em que 61% dos eleitores franceses manifestam hostilidade contra a União Europeia.

Mas acima de tudo, Hollande pensava no que o Berlin Policy Journal chamou com presciência, já em setembro passado, de “Momento Unipolar da Alemanha”. O ponto é que a Alemanha vem crescendo sem parar, como líder de facto da Europa:

  • O acordo da dívida grega foi essencialmente negócio bilateral entre Berlin e Atenas; o cessar-fogo na Ucrânia foi construído à força pela chanceler Angela Merkel e o presidente Vladimir Putin da Rússia; e a atual crise dos refugiados que a Alemanha lidera, tanto pelo exemplo como por exigir resposta europeia comum. (Berlin Policy Journal)

A Alemanha mostra-se reticente quanto a desempenhar o papel de potência hegemônica na Europa. Mas isso pode estar mudando. Já é visível uma ‘avançada’ alemã, na sequência do Brexit. A Alemanha tem consciência de que seu peso econômico e político aumentou dramaticamente na Europa. (Com a saída da Grã-Bretanha, a parte alemã na composição do PIB da União Europeia aumentará de 1/5, para 1/4.)

Por outro lado, os antagonismos nacionais na Europa suficientes para alimentar duas guerras mundiais jamais sumiram realmente. E estão aflorando à superfície ante a demanda alemã por uma “Europa mais forte”. Sarkozy teria dito, segundo o Le Figaro, que “Se a resposta ao Brexit for Europa cada vez mais alemã, então estamos dirigindo na direção de um muro de pedra.” Advoga a favor de uma “Europa das nações” – uma União Europeia enfraquecida em favor dos estados nacionais.

Os políticos franceses em todo o espectro político falam em tom nacionalista e antialemão – da extrema direita de Marine Le Pen da Frente Nacional, ao líder do Partido de Esquerda Francês, Jean-Luc Mélenchon.

Entrementes, também na Europa Central, cresce o clamor a favor de se emendarem os tratados da União Europeia para devolver poder aos estados nacionais. A Polônia sente-se ameaçada pela Alemanha. Na 5ª-feira, o jornal governistaGazeta Polska estampava em manchete: “Haverá um IVReich?” – ao lado de uma cruz suástica na primeira página.

A frase forte de Hollande ontem em Varsóvia deixa ver a plena consciência de que um novo eixo vai-se constituindo entre Alemanha e EUA, que deixará na chuva a França. Angela Merkel mostrou-se manifestamente ansiosa por colaborar com a liderança transatlântica dos EUA. O presidente Barack Obama conta com ela para disciplinar a União Europeia na questão das sanções contra a Rússia.

Passado do Brexit, Washington também precisa de um eixo com a Alemanha, agora que a Grã-Bretanha se retira da Europa. Os EUA têm laços próximos com a Nova Europa, que também lhes permitem atuar como árbitros entre Alemanha e Polônia. Antes e acima de tudo, é do mais alto, supremo interesse dos EUA impedir que se estabeleça um eixo Alemanha-Rússia.

Resumo de tudo é que a OTAN é essencial na estratégia de contenção dos EUA contra a Rússia, e o sistema da aliança ocidental tem de passar a girar num eixo EUA-Alemanha logo no curto prazo.

Interessante, Putin teve conversa telefônica com Hollande e Merkel pouco antes de eles viajarem para a Cúpula da OTAN em Varsóvia, sobre a Ucrânia – leitmotif da estratégia de “defesa e contenção” da OTAN contra a Rússia, que está sendo coreografada por Washington.

Putin reforçou que o chamado Formato Normandia é suficientemente adequado para reduzir as tensões relacionadas à Ucrânia – o mesmo que dizer que a OTAN não tem papel algum na região. Interessante, Hollande disse praticamente a mesma coisa em Varsóvia (Kremlinwebsite) *****

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