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quinta-feira, 28 março, 2024

Procurador da Mãos Limpas: Moro é um escárnio!

Colombo: não se deveria sequer suspeitar que a política influenciou suas decisões (Reprodução: Carta Maior)

Ele podia continuar a combater a corrupção como Juiz (se fosse imparcial)

Conversa Afiada e Pátria Latina reproduzem da Fel-lha entrevista de Lucas Neves, de Paris, com Gherardo Colombo, um dos procuradores italianos que lideraram a Operação Mãos Limpas (e sobre a qual o Moro não entende nada):

Moro poderia continuar tratando de corrupção como juiz, diz ex-procurador da Mãos Limpas

Gherardo Colombo, um dos procuradores italianos que lideraram a Operação Mãos Limpas, marco do combate à corrupção dos anos 90, afirma não entender as razões do juiz Sérgio Moro para aceitar o convite de Jair Bolsonaro (PSL) para entrar no mundo da política, comandando um superministério da Justiça e da Segurança Pública.

“Pergunto-me por quais motivos ele não poderia continuar se ocupando da corrupção como juiz”, diz o ex-magistrado, hoje à frente de uma associação que ensina o bê-á-bá jurídico a jovens.

Para Colombo, mesmo Moro sendo alvo de críticas de setores que o veem como parcial e abertamente antipetista, o agora ex-juiz poderia seguir em seu posto sem constrangimento.

De acordo com o entrevistado, isso ocorreria porque, no Brasil, expedientes como a interdição de pronunciamento fora dos autos e a possibilidade de substituição de um juiz cuja neutralidade seja posta em dúvida não têm a mesma força do que, por exemplo, na Itália.

Além disso, Colombo levanta questionamentos sobre a adequação da “mentalidade de um juiz, necessariamente imparcial e independente” à chefia de uma pasta que tem a segurança pública em seu escopo.

A Itália tem um precedente de migração para a política de uma figura que se celebrizou no Judiciário. Foi o que aconteceu com Antonio di Pietro, colega de Colombo na Mãos Limpas. Em 1996, ele virou ministro no governo de Romano Prodi.

Mas há algumas particularidades nesse caso. A primeira é a de que ele liderou a pasta de Obras Públicas, que não tinha relação com seu trabalho prévio. E Colombo frisa que Di Pietro esperou um ano e meio após o seu desligamento da magistratura para ingressar no Executivo.

Leia abaixo a entrevista, concedida por email.


Folha: O senhor acredita que a participação de Sergio Moro no governo Bolsonaro alimentará dúvidas sobre a imparcialidade de sua atuação na Lava Jato e sobre a operação como um todo?
Colombo: Acredito que os juízes devem ser e parecer imparciais. Pergunto a você: que perguntas são feitas, diante dessa nomeação, por aqueles que acompanharam os acontecimentos da Lava Jato?

Folha: Moro disse que sua entrada na gestão Bolsonaro não deveria ser vista como recompensa pela sentença que enviou Lula para a prisão e que não pode viver “com base em um álibi falso de perseguição política [ao PT]”…
Colombo: 
Faço uma pergunta análoga: as pessoas, sabendo que Bolsonaro era o antagonista de Lula, tenderão a relacionar as duas coisas, condenação e nomeação [para o ministério]?

Folha: O projeto de Moro de levar para o ministério métodos e práticas da Lava Jato, vista com olhos favoráveis por boa parte da opinião pública, é suficiente para justificar sua decisão de ingressar no governo?
Colombo: 
Não existe o risco de que o ministro, ainda que apenas em nível subconsciente, seja levado a ver uma eventual corrupção de representantes da força política que o nomeou de uma forma diferente daquela como vê a corrupção de quem se opõe a essa força?

Pergunto-me, por outro lado, por quais motivos ele não poderia continuar se ocupando da corrupção como juiz, uma vez que não existem, no Brasil, ao contrário da Itália, instrumentos como a possibilidade de substituição de um juiz, caso sua imparcialidade seja posta em dúvida, ou a proibição de que magistrados antecipem publicamente seu juízo. [Na verdade, existem, mas sua aplicação é menos recorrente no primeiro caso, e menos severa no segundo].

Para terminar, pergunto a você se a mentalidade do juiz, necessariamente imparcial e independente (de outra forma não seria juiz), pode coincidir com a de um ministro da Segurança.

Folha: Como a nomeação de Moro difere daquela do ex-procurador italiano Antonio di Pietro, seu colega na Operação Mãos Limpas, para o Ministério de Obras Públicas de Romano Prodi, em 1996? Ele foi criticado à época?
Colombo: 
Di Pietro foi nomeado ministro cerca de um ano e meio depois de ter abandonado as investigações da Mãos Limpas. E o foi por um presidente do conselho [primeiro-ministro], Romano Prodi, que havia militado por muito tempo na Democracia Cristã, um partido com muitos membros investigados e também presos na Mãos Limpas. Por isso, a nomeação não provocou comoção; se suscitou críticas, elas foram bastante limitadas.

Folha: Se Moro tivesse esperado um pouco mais para entrar na política, o volume e a virulência das críticas teriam sido menores?
Colombo: 
Para mim, um juiz que deseja assumir um compromisso político, principalmente se ele se tornou famoso por suas investigações, deveria abandonar definitivamente a magistratura e deixar passar um tempo razoável entre sua demissão e a entrada na política. Também deveria, em todo caso, assumir esse compromisso de maneira que não se pudesse nem sequer suspeitar de que a política influenciou suas decisões.

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