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terça-feira, 19 março, 2024

Retrocessos na América Latina

A vitória eleitoral de Macri, novo presidente da Argentina, é mais um passo da América Latina rumo ao neoconservadorismo. O processo de desmonte das políticas neoliberais, tão em voga nas décadas de 1980 e 1990, teve início com a eleição de Chávez na Venezuela, em 1998.

Em seguida, foram eleitos vários presidentes progressistas: Lula no Brasil, Lugo no Paraguai, Zelaya em Honduras, Funes em El Salvador, Bachelet no Chile, Morales na Bolívia e Mujica no Uruguai. Cuba e Nicarágua foram pioneiras nesse processo.

Esse avanço neutralizou a proposta da ALCA e favoreceu a criação de instituições de articulação regional e continental, como Aliança Bolivariana, Unasul, Celac, e fortaleceu o Mercosul.

No conjunto da América Latina, as condições sociais melhoraram significativamente, com a redução da miséria absoluta.

Ser de esquerda em um mundo dominado pela direita é quase como se manter virgem no bordel. A ascensão das forças progressistas na América Latina, na virada dos séculos 20 e 21, despontou como a ocasião de desmontar a tese de Robert Michels (1911), de que todo partido de esquerda que trafega nas vias da legalidade burguesa é inevitavelmente cooptado por ela.

Em dois países a direita enveredou pelo atalho do golpismo, e interrompeu a possibilidade de reformas pela via democrática: Honduras (2009) e Paraguai (2012). Nos demais, a direita tem sido beneficiada por erros dos governos progressistas.

Com exceção de Cuba e da Bolívia, todos eles acreditaram poder segurar o violino com a esquerda e tocar com a direita… O que se vê é um concerto desafinado.

Ainda que políticas sociais tenham sido implementadas com êxito e livrado milhões de pessoas da miséria, as reformas estruturais, quando feitas (infelizmente não é o caso do Brasil), não foram suficientes para criar um modelo alternativo ao neodesenvolvimentismo consumista.

A economia permaneceu com todas as suas características neocoloniais, de exportação de produtos primários, agora denominados commodities. Não se criou um mercado interno sustentável, nem se reduziu a desigualdade social, ainda que tenha havido aumento do poder aquisitivo dos pobres.

O erro principal, porém, foi não complementar a inclusão econômica com a inclusão política. Os benefícios aos mais pobres vieram como iniciativa do Estado e não como conquista do povo. Não se organizou politicamente o pobretariado. Não se conscientizou o oprimido. Não se fez da grande massa de eleitores protagonistas políticos. A exceção é a Bolívia, onde há o mais consistente governo progressista da América Latina. E o é justamente por priorizar, no arco de alianças políticas, os movimentos sociais.

A Argentina pode ser a primeira peça do dominó a tombar. Brasil e Venezuela se destacam no alvo dos neoliberais.

Em um mundo que, ameaçado pelo terrorismo, troca a liberdade pela segurança, e cujo poder financeiro (especulação) se sobrepõe ao industrial (produção), e no qual a ambição de consumo prevalece sobre o direito à cidadania, os governos progressistas se omitiram quanto à única via capaz de garantir-lhes sustentabilidade: formação e organização política de suas bases eleitorais. Muitos partidos se deixaram contaminar pela corrupção, e não cuidaram da “alfabetização política”.

Eis que o sonho ameaça virar pesadelo. A menos que a esquerda perca a vergonha de ser de esquerda.

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