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terça-feira, 19 março, 2024

Trabalho no século XXI regulado pelo século XIX

Pedro Augusto Pinho*
O século XX conheceu, além das guerras e conflitos ideológicos exacerbados, a grande mudança na compreensão das relações entre o homem e a natureza e nas próprias relações humanas. Isto não ocorreu no mundo místico nem simplesmente ideológico. Deveu-se, fundamentalmente, à direção das pesquisas que as máquinas de calcular impulsionaram alguns cientistas no pós guerra: a teoria geral dos sistemas e a teoria da informação.
O que antes era tratado como força, potência, seja erg, horse power, ou newton, passou a ser conceituado, medido e trabalhado como informação – bit.
Esta profunda transformação, ainda em processo de conhecimento e implementação, foi apropriado, política e economicamente, com argúcia e presteza, pelo sistema financeiro, a banca. Não quero com isso dar qualquer exclusividade aos atuais “donos do mundo”, mas seu próprio modelo de construir a dominação – formação de grupos multidisciplinares e multi-influentes – favoreceu a rápida capacitação, em algumas áreas importantes, deste novo conhecimento.
Coloquemos no texto de um dos fundadores deste novo conhecimento, William Ross Ashby (Introdução à Cibernética, Editora Perspectiva, 1970), sua própria dimensão: “a cibernética está para a máquina real – eletrônica, mecânica, neural ou econômica – assim como a geometria está para um objeto real em nosso espaço terrestre”.
Não é, por conseguinte, difícil a meus caros leitores perceberem a enorme mudança que este conhecimento iria, como de fato ocorreu, mudar a compreensão e a forma do trabalho, entre diversas outras profundas transformações.
Permitam-me uma rápida digressão. Nos governos militares, em especial no de Médici e sobretudo no de Geisel, cientes da importância deste conhecimento para a própria soberania nacional, forneceram os recursos, no âmbito público e no privado, para o desenvolvimento da “informática”. Estas denominações – informática, cibernética, processamento de dados – ainda hoje não são pacificamente conceituadas, e usarei doravante o termo informática para estes conhecimento.
E qual é a base deste conhecimento? Entender tudo, no mundo físico e mental, como sistema: o corpo humano, um rio, uma fábrica ou uma religião, e tratar este sistema como um fluxo informacional, onde sempre haverá uma fonte emissora, um meio propagador e um receptor da mensagem. É isto, em linhas muito simples, o que consiste a informática. Voltemos ao Brasil.
Com o projeto de dotar o País com capacitação acadêmica e industrial para o mundo da informática, o Brasil chegou a construir, com recursos humanos e materiais próprios, o minicomputador. O professor Ivan da Costa Marques, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em três notáveis trabalhos descreve esta oportunidade perdida (Revisitando o discurso mobilizador da “reserva de mercado” dos anos 1970 à luz dos Estudos CTS; Brazil and its unenlightened desposts: 1979/1980; e Minicomputadores brasileiros nos anos 1970: uma reserva de mercado democrática em meio ao autoritarismo). Em minha modesta opinião, o General Geisel foi o primeiro dirigente nacional a sofrer um golpe da banca ao designar o General Figueiredo seu sucessor. Esclareço que a banca inicia seu empoderamento, nas características atuais, com as “crises” do petróleo, nos anos 1960/1970.
Fica absolutamente nítido, que este novo recurso modifica inteiramente a própria conceituação do trabalho. Há muitas frases sobre a era do conhecimento, mas o trabalho continua a ser tratado como força e não como informação.
Escreve-se e fala-se de progressos tecnológicos, de racionalidades econômica, da supressão de empregos, mas, dificilmente se encontra uma formulação que incorpore o novo trabalho, uma nova postura diante da era da informática. No próprio título de seu livro, Norbert Wiener, outro fundador, coloca “Cibernética ou O Controle e a Comunicação entre Animais e Máquinas”, ou seja, é a nova relação dos homens entre eles e entre a natureza e o ser humano que este conhecimento busca interferir.
Em seu segundo livro, de 1950, “O Uso Humano de Seres Humanos”, Wiener já antevê a resposta conservadora ao mundo descortinado pela informática: “a nova revolução industrial é, pois, uma espada de dois gumes. Pode ser usada para o benefício da Humanidade, mas somente se a Humanidade sobreviver o bastante para ingressar num período em que tal benefício seja possível. Pode ser também usada para destruir a Humanidade, e se não for empregada inteligentemente, pode avançar muito nesse caminho” (na tradução de José Paulo Paes, para edição brasileira da Editora Cultrix, 1968, da edição revista por N.W. em 1954).
Tenho afirmado que foi a banca quem melhor soube se apossar dos recursos da informática. Ao dar o golpe no Presidente Geisel, impediu o surgimento de uma competição fora de seu controle. Provavelmente outros países sofreram, de algum modo, este impedimento.
Os golpistas de 2016, retornando o trabalho a condições análogas às do Império Brasileiro, não apenas escravizam nosso povo; colocam ainda mais distante do controle nacional os usos da informática.
É inacreditável que isto esteja se passando diante de nossos olhos e ainda exista quem considere o Partido dos Trabalhadores, Lula, o “bolivarianismo” como os inimigos do Brasil e de seu povo.
O projeto, em curso, da banca é o fim dos Estados Nacionais, só não vê quem nada entende ou quem não quer ou pode enxergar. O golpe de 2016, seus magistrados, promotores, parlamentares e jornalistas, ou seja, seus instrumentos, ainda poderão conhecer o futuro sombrio antevisto por Norbert Wiener, que não era comunista nem de “esquerda”.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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