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quinta-feira, 28 março, 2024

Trump, riscos e oportunidades

por Saker
Assim, aconteceu: Hillary não venceu! Digo isso ao invés de dizer “Trump venceu” porque considero a afirmação anterior mais importante do que a última. Por que? Porque não faço ideia do que Trump fará a seguir. Contudo, tenho uma excelente ideia do que Hillary teria feito: guerra com a Rússia. Trump mais provavelmente não a fará. De fato, ele disse especificamente no seu discurso de aceitação:
Quero dizer à comunidade mundial que apesar de sempre colocarmos os interesses da América em primeiro lugar, trataremos correctamente toda a gente – todos os povos e todas as outras nações. Procuraremos terrenos comuns, não hostilidade; parcerias, não conflito.
E a resposta de Putin foi imediata:
Ouvimos as declarações que ele fez como candidato a presidente exprimindo um desejo de restaurar relações entre nossos países. Percebemos e entendemos que isto não será uma estrada fácil dado o nível a que se desagradaram nossos relações, lamentavelmente. Mas, como disse antes, não é por culpa da Rússia que as nossas relações com os Estados Unidos chegaram a este ponto.
A Rússia está pronto e procura um retorno a relações plenas com os Estados Unidos. Deixe-me dizer outra vez: sabemos que isto não será fácil, mas estamos prontos a seguir esta estrada, a tomar passos do nosso lado e a fazer tudo o que pudermos para por as relações russo-estado-unidenses de volta num caminho de desenvolvimento estável.
Isto beneficiaria tanto o povo russo como o americano e teria um impacto positivo sobre o clima geral dos negócios internacionais, dada a responsabilidade particular que a Rússia e os EUA partilham para manter a estabilidade e a segurança globais.
Este intercâmbio, exactamente agora, é razão suficiente para todo o planeta rejubilar-se com a derrota de Hillary e a vitória de Trump.
Será que agora Trump terá a coragem, a vontade e a inteligência para expurgar o executivo dos EUA da cabala de neocons que nele se infiltrou durante décadas? Terá ele a fortaleza para enfrentar um Congresso e os media extremamente hostis? Ou tentará atende-los com meias medidas e esperar ingenuamente que não utilizarão o seu poder, dinheiro e influência para sabotar a sua presidência?
Não sei. Ninguém sabe.
Um dos primeiros sinais a procurar serão os nomes e os antecedentes dos indivíduos que nomeará na sua nova administração. Especialmente seu Chefe do Estado-Maior e o secretário de Estado.
Sempre disse que a opção pelo mal menor é moralmente errada e pragmaticamente desorientada. Ainda acredito nisso. Neste caso, contudo, o mal maior era a guerra termonuclear com a Rússia e o mal menor pode acabar por ser o de gradualmente abandonar o Império para salvar os EUA ao invés de sacrificar os EUA para as necessidades do Império. No caso de Hillary versus Trump a escolha era simples: guerra ou paz.
Trump já pode ser creditado com um imenso feito: a sua campanha forçou os media corporativos dos EUA a mostrar a sua verdadeira cara – a cara de uma máquina de propaganda má, mentirosa e moralmente corrupta. O povo americano com o seu voto recompensou os seus media com um gigantesco “f*da-se” – um voto de não confiança e rejeição total que demolirá para sempre a credibilidade da máquina de propaganda do Império.
Não sou ingénuo para não perceber que o bilionário Donald Trump é também um dos que fazem parte dos 1%, um puro produto da oligarquia estado-unidense. Mas tão pouco sou tão ignorante da história para esquecer que elites se voltam umas contra as outras, especialmente quando o seu regime é ameaçado. Será preciso lembrar que Putin também veio das elites soviéticas?!
Idealmente, o próximo passo seria Trump e Putin encontrarem-se, com todos os seus ministros chave, numa longa semana de negociações na qual tudo, toda disputa pendente, seria colocada sobre a mesa e alcançado um compromisso em cada caso. Paradoxalmente, isto poderia ser até fácil: a crise na Europa é inteiramente artificial, a guerra na Síria tem uma solução absolutamente óbvia e a ordem internacional pode facilmente acomodar uns Estados Unidos que “tratassem correctamente todos os povos e todas as outras nações” e “procurassem terreno comum, não hostilidade; parceria, não conflito”. A verdade é que os EUA e a Rússia não têm razões objectivas para conflito – só questões ideológicas resultantes directamente da ideologia insana do imperialismo messiânico daqueles que acreditam, ou pretendem acreditar, que os EUA são uma “nação indispensável”. O que o mundo quer – e precisa – é dos EUA como uma nação “normal”.
O pior caso? Trump poderia revelar-se uma fraude total. Pessoalmente duvido muito, mas admito que isto é possível. O mais provável é que ele simplesmente não terá a perspicácia e a coragem para esmagar os neocons e que tentará aplacá-los. Se ele assim fizer, eles ao invés o esmagarão. É um fato que apesar de as administrações terem mudado a cada 4 ou 8 anos, o regime em vigor não mudou e que as políticas internas e externas dos EUA têm sido espantosamente constantes desde o fim da II Guerra Mundial. Será que Trump trará finalmente não apenas uma nova administração mas uma “mudança de regime” real? Não sei.
Não entenda mal – mesmo que Trump acabe por desapontar aqueles que acreditavam nele, o que aconteceu hoje significa um golpe de morte para o Império. O “Occupy Wall Street” não teve êxito em alcançar algo tangível, mas a noção do “domínio dos 1%” emergiu daquele movimento e permaneceu. Isto é uma bofetada directa para a credibilidade e legitimidade de toda a ordem sócio-política dos EUA: longe de ser uma democracia, é uma plutocracia/oligarquia – quase toda gente aceita isso hoje em dia. Da mesma forma, a eleição de Trump já provou que os media dos EUA são prostitutas e que a maioria do povo americano odeia sua classe dominante. Mais uma vez, isto é uma bofetada directa à credibilidade e legitimidade de toda a ordem sócio-política. Um por um, os mitos fundadores do Império dos EUA estão a estraçalhar-se e o que continua é um sistema que só pode ser dominado pela força.
Alexander Solzhenitsyn costumava dizer que os regimes podem ser medidos num espectro que vai dos regimes cuja autoridade é o seu poder e os regimes cujo poder está na sua autoridade. No caso dos EUA agora podemos ver claramente que o regime não tem outra autoridade senão o seu poder o que o torna tanto ilegítimo como instável.
Finalmente, quer as elites estado-unidenses possam aceitar isso ou não, o Império dos EUA está a chegar ao fim. Com Hillary, teríamos tido uma negação disto estilo Titanic até o último momento, o qual poderia vir na forma de um cogumelo termonuclear sobre Washington DC. Trump, contudo, pode utilizar o poder remanescente dos EUA para negociar a sua retirada global gradual obtendo dessa forma as melhores condições possíveis para o seu país. Francamente, estou bastante seguro de que todos os líderes chave do mundo perceberão que é do seu interesse fazer tantas concessões (razoáveis) quanto possíveis para Trump e trabalhar com ele, ao invés de negociar com as pessoas a quem acabou de remover do poder.
Se Trump puder ater-se às suas promessas de campanha ele encontrará parceiros sólidos e confiáveis em Vladimir Putin e Xi Jinping. Nem a Rússia nem a China têm algo a ganhar com uma confrontação ou, muito menos, um conflito com os EUA. Terá Trump a sabedoria para perceber e utilizar isto em benefício dos EUA? Ou continuará com a sua retórica anti-chinesa e anti-iraniana.
Só o tempo dirá.
09/Novembro/2016
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O original encontra-se em thesaker.is/trump-elected-as-president-risks-and-opportunities/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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