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terça-feira, 19 março, 2024

Uma catedral para o senador Rabocse?

Por Ernesto Marques – jornalista
Tudo ia bem na vida do mega-traficante colombiano, Pablo Escobar, até ele resolver investir em seus delírios grandiloquentes de pretenso defensor dos desvalidos da sua Medellín, e entrar para a política. Em 1982 elegeu-se suplente de deputado pela Alternativa Liberal, assumiu depois da imediata renúncia do titular, mas logo ele mesmo renunciou, ante o  escândalo aberto pela divulgação da foto de sua prisão por tráfico, em 1976. Começava ali a decadência do filho de uma família humilde que começou a carreira como contrabandista e acumulou uma das maiores fortunas do mundo em sua época exportando cocaína para os Estados Unidos o grande cliente dos traficantes desde sempre.
As histórias quase inverossímeis do excêntrico Escobar só poderiam ter lugar no país de origem do realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez. Mas nem ele poderia supor a existência de uma Macondo tão vasta, capaz de parir o senador Rabocse, personagem fantástico a emergir nos mais recentes capítulos da novela Brasil – mais uma super-produção das Organizações Globo.
Dizia o genial escritor colombiano: “não invento nada, não há uma linha nos meus livros que não seja realidade”. Pois bem. Sem citar nomes, porque desnecessário e até perigoso, busco inspiração nos escritos e nas fontes primárias do Gabo (a realidade dos fatos) e prudentemente reivindico licença poética para criar aqui o ilustre senador Rabocse. É um palíndromo de Escobar, para definir a trajetória dessa figura, inversa à do assumido traficante. A debacle do hipotético senador, político até então de corpo fechado e blindado por togas, começa quando um podre seu é revelado ao país enquanto ele ainda está no vetusto Senado. Em vez de uma foto comprometedora, uma gravação revela um criminoso frio falando em assassinato para acobertar mais um lance de corrupção.
Ao contrário de Escobar, Rabocse nasceu em berço de ouro, filho de família tradicional na política da República Alterosa de Macondo, país imaginário cheio de belas montanhas. Teve acesso às melhores escolas, mas nunca se preocupou muito com sua formação intelectual. Preferiu investir a juventude curtindo a vida adoidado em baladas que ninguém se atreveria a contar. Mas mesmo assim aspirava uma carreira brilhante na política. Teve boas referências de conduta entre os seus mais velhos, mas sempre confundiu os prazeres da vida privada com os deveres da vida pública. Assim, amadureceu curtindo seus mandatos como numa balada louca.
Quem se colocou diante do implacável Rabocse como possível ameaça, já não está mais entre os cidadãos da República Alterosa de Macondo pra contar a história. Uma amante pensou em contar sobre sexo e política, mas não poderia macular a imagem de Rabocse. Em crise de consciência, auto-flagelou-se até a morte: quebrou o próprio nariz e um osso timpanal e, como só um personagem de Gabo seria capaz de fazer, asfixiou-se até quebrar as cartilagens da traquéia, amolecer os dentes e morrer azulada, com a língua para fora.
Um policial também tentou denunciar a vida dupla de candidato a herói nacional e bandido, nababescamente levada pelo senador Rabocse. Deprimido e arrependido, tentou suicídio algumas vezes. Numa delas, desferiu quatro tiros contra si, mas sobreviveu. Até que, afinal, num lance fantástico, conseguiu se enforcar com uma gravata.
Descontadas as suas excentricidades, Rabocse tem lá suas virtudes. É muito família, por exemplo. Mata e morre por sua inseparável irmã e mandou construir um aeroporto na fazendola de seu tio. Também é bom amigo, generoso. Cultiva boas amizades com gente capaz de gestos de extrema generosidade e lealdade. Um amigo dos mais chegados emprestou um helicóptero para transportar mercadorias valiosas sem o risco dos aeroportos comerciais. Gente séria em quem ele confiaria ouro em pó, quanto mais a guarda de alguns dinheiros recebidos em tenebrosas transações.
Assim como Escobar, o nobre senador Rabocse, não respeita limites, e exagera a ponto de deixar seus amigos e sócios sem condições de protegê-lo. Escobar, traficante nascido pobre e tornado bilionário esbarrou nas suas ambições políticas. O senador Rabocse, nascido rico e destinado hereditariamente à política, viajou na maionese ao trilhar o caminho do crime.
Para se entregar, Escobar impôs como condição construir ele mesmo a sua prisão. Assim fez La Catedral, uma fortaleza fantasiada de prisão, de onde continuou comandando seu império. Onde Rabocse construirá a sua? Se faltar terreno para tão portentoso palácio, o chanceler poderia pedir auxílio ao ministro brasileiro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira para conseguir uma vaga na Papuda. Ou ceder parte de uma conhecida fazenda sua, no interior de São Paulo. Ou arrumar um cantinho no Lago Sul para Rabocse, assim como fez Escobar, construir a sua ou adaptar algum imóvel de lá, com vista para a bela Ponte JK.

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